Nem tudo sejam apenas coisas boas, mas quando são, são inesquecíveis.
É curioso como um filme que parte de uma explosão tão sensorial e imagética possa terminar em um estado quase inerte. Mas talvez seja justamente essa transição do delírio ao desencanto que Apenas Coisas Boas deseja materializar. Com seu segundo longa de ficção, Daniel Nolasco retorna com a promessa de repetir o impacto de Vento Seco (2020), e durante boa parte da projeção, essa promessa parece selada. A fantasia homoerótica que embala o romance entre um cowboy e um motoqueiro é instaurada com tanta entrega visual e intensidade emocional que torna difícil não se deixar levar por aquele universo onde o amor é mais gesto do que palavra.
Logo de cara, fica claro que o motor aqui não é a narrativa tradicional. O acidente que coloca Antônio e Marcelo no mesmo caminho funciona menos como ponto de virada e mais como um rito de iniciação visual. O que Nolasco quer investigar é o encantamento. Não no sentido romântico óbvio, mas naquilo que se dá entre corpos e olhares, na fisicalidade dos gestos, na tensão entre desejo e ameaça. Tudo é coreografado para que os símbolos falem antes do roteiro. A moto, o espelho retrovisor, o brilho sobrenatural nos olhos, o mergulho no rio, cada elemento opera dentro de uma lógica onde a imagem é mais poderosa que qualquer enunciado verbal.
Nesse sentido, é um filme que se permite flertar com o exagero e o artifício, e encontra aí sua força. As composições visuais de Larry Machado dialogam diretamente com o erotismo simbólico que Nolasco sempre soube manipular, e há aqui momentos genuinamente belos – como a cavalgada silenciosa pela mata, embalada por L’Étranger, onde o espaço entre os corpos dos protagonistas é finalmente anulado. A masculinidade, retratada como solitude viril à la Tony Soprano, cede lugar a um desejo assumido, naturalizado e tratado com uma liberdade raramente vista no cinema brasileiro.
Mas é justamente quando o longa salta no tempo que sua estrutura começa a ceder. O Antônio mais velho, agora vivido por Fernando Libonati, carrega consigo um peso que parece maior do que o filme está disposto a lidar. O erotismo dá lugar ao silêncio carregado, e a mise-en-scène antes encantada se retrai para um naturalismo opaco, enclausurado em interiores urbanos. Se antes o filme deixava que seus símbolos falassem por si, aqui ele tenta forçar uma tensão dramática que não encontra suporte na construção dos diálogos, talvez o elo mais frágil da obra.
A densidade emocional que transbordava dos silêncios e das imagens é agora substituída por um texto literal, explicativo, que esvazia o mistério cuidadosamente cultivado na primeira metade. O drama contemporâneo surge truncado, e as novas personagens, ainda que interessantes em conceito (Renata Carvalho, por exemplo, oferece uma presença poderosa), não encontram espaço para desenvolverem suas complexidades diante de um roteiro que prioriza exposição em vez de sugestão.
Ainda assim, há algo de admirável na tentativa de Nolasco de construir um filme que abrace o excesso com a mesma vontade com que mergulha no realismo. A primeira metade de Apenas Coisas Boas é um espetáculo de forma e sensibilidade, uma explosão de desejo que transforma figuras arquetípicas da masculinidade em veículos de afeto e vulnerabilidade. Já a segunda parte, ao tentar tensionar esse passado com um presente desencantado, tropeça em suas ambições e se distancia do impacto inicial.
Talvez nem tudo aqui sejam apenas coisas boas, mas quando são, são inesquecíveis.
Filme assistido no Olhar de Cinema – Festival Internacional de Curitiba.
Comentários (0)
Faça login para comentar.
Responder Comentário