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Aqueles Que Ficaram

(Akik maradtak, 2019)
7,2
Média
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Sua nota

Críticas

Cineplayers

Um cinema do não dito

7,5

Existe assunto mais visto e revisto no cinema que a Segunda Guerra? Decerto é um dos mais abordados por uma multiplicidade de pontos de vista e Aqueles Que Ficaram é mais um a engrossar as fileiras. O primeiro longa-metragem de Barnabás Toth, com experiência prévia como curta-metragista e diretor de televisão, candidata-se a representante da Hungria no Oscar de Língua Estrangeira não explorando o conflito, mas seus efeitos.

Como se entende de início, “aqueles que ficaram” são o médico ginecologista Aladár Körnër, que vive sozinho desde o fim da guerra, e Klara Wiener, uma órfã de catorze anos que vive com uma tia que enfrenta dificuldades financeiras. Enquanto a Hungria no início dos anos cinquenta vive sob o comando da implacável União Soviética e ocupava o país com mão de ferro, o solitário profissional da saúde e a jovem desenvolvem uma espécie de relação pai e filha, de adoção não oficializada que, é claro, como típico dos melodramas não demora a ser questionada pela sociedade à sua volta quando Klara demonstra carinho por um homem que não é seu genitor e o mesmo corresponde.

Tendo nascido em 1977, ou seja, experienciando a ocupação soviética de seu país até por volta de seus catorze anos, Barnabás Toth faz com que Aqueles Que Ficaram seja tudo, menos um drama politizado. Claro, como não podia deixar de ser, há acenos dos efeitos que as políticas stalinistas afetaram o país que assumem uma posição - como na cena quase orwelliana onde um amigo diz ao protagonista que, para garantir emprego e posição no Partido, será obrigado a deletar três amigos, ou quando jovens comemoram a morte do famoso ditador anunciada pelo rádio. Mas, aparentemente, o realizador quis levar a obra além disso, descobrindo a humanidade por trás do que lemos em livros de história e a tentativa de pessoas solitárias e desesperadas em buscar uma espécie de reconexão com a realidade. Ou seja, antes de tudo, é um filme social sim, mas em uma toada mais intimista.

Para tanto, o diretor fotografa filma suas cenas principalmente com closes e tons pastéis acompanhados de uma música erudita instrumental raramente pesada ou agressiva; Aqueles Que Ficaram é um filme sumariamente sutil, com o diretor interessado na solidão de seus protagonistas, muitas vezes incapazes de manifestar seus desejos e tormentos internos e deixando escapar pouquíssimo de suas inseguranças, fazendo da obra sempre contida, mas sempre atormentada: julgados socialmente com olhos maldosos, aquela relação paterna nascida do medo de ficar sozinho rende alguns belos momentos.

Porém, ainda que esteja cheio de momentos isoladamente belos, Toth desliza um pouco para encerrar seu filme, apresentando uma costura um tanto apressada e urgente ao seu final, promovendo uma grande elipse e um final repentino, pontuado por uma cena que mantém sua tradição do não-dito que diz muito, mas cercado por um entorno que falha em mostrar maior completude. E o fator humano parece interessar tanto aqui que quaisquer fatores políticos abordados são de maneira “en passant”, de ambientação, enquanto o maior deles parece não causar qualquer consequência à trama, parecendo um tanto jogado.

Há um grande filme por aqui, com uma visão de cinema classicista, que transpira a imagética bem composta de antigos melodramas, mas ao mesmo tempo a obra padece de uma certa imaturidade; com seu coração enorme, os sentimentos afloram nas cenas de maneira sutil, mas a história com o tempo soa desencontrada, com o interesse causado pela melancolia latente àquelas imagens e a força da atuação dos protagonistas Károly Hajduk e Abigél Szõke. Apesar de impossível prever, o filme sinaliza um início de carreira promissor, com muito a dizer até mesmo quando nada se diz.

Crítica da cobertura do 21º Festival do Rio

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