Não dá pra dizer que Área Q (idem, 2011) é ruim desde o início. Apesar da indelicadeza absurda do roteiro de Carina Sanginitto, Halder Gomes, Julia Camara e do próprio diretor Gerson Sanginitto, a história vai se desenhando com certo teor de mistério até desandar para a clara tomada de posição sobre valores e crenças. A falta de sutileza fica por conta da abdução de João Batista (Murilo Rosa) e o desaparecimento, em Los Angeles, do filho do jornalista norte-americano Thomas Mathews, vivido por Isaiah Washington. A ligação entre os acontecimentos é claramente explicitada desde o ponto de partida. Talvez porque isso seja o menos importante para a história, mas torna todo o possível mistério excessivamente antecipável, e a subtrama paralela da busca, enfadonha.
Entretanto, com a chegada do jornalista ao Brasil para investigar a veracidade de curas milagrosas e relatos de abdução extraterrestre no interior do Ceará, em uma localidade conhecida como Área Q, por ser cercada de cidades cujos nomes começam com a letra, a trama consegue atrair o espectador pelo ar de realidade empregado por Sanginitto. A câmara passa a ser menos transparente, acompanhando personagens de forma mais próxima e não se furtando ao uso de idiomas distintos. Inglês e português são mesclados com traduções simultâneas ocorrendo na tela. Isso porque o jornalista vive seus dias auxiliado por um guia turístico local, cujo papel é ser também seu intérprete.
Desse modo, o espectador passa a embarcar naquela história e nas coincidências surgidas pelo caminho. A narração do personagem central, por exemplo, colabora com esse ar semidocumental, e o recurso é bem empregado – o que nem sempre ocorre nos filmes. O contratempo é a captação do som direto, por vezes abafado. Mas, claro, problema mesmo é o andamento dado para história. Se antes parecia trazer até uma discussão sobre a possível realidade daqueles fenômenos, depois o tom muda por completo para uma espécie de propaganda-defesa de crenças espirituais (não necessariamente espíritas). A reflexão, até então possível, some.
Quanto mais o jornalista chega perto de entender o óbvio incidente ocorrido com seu filho, menos interessante o desenrolar dos fatos vai ficando. Isso porque entra em cena questões de fé passadas como verdades. Assim, temas como reencarnação surgem de forma absolutamente fora do contexto. Ou então se está diante da teoria dos alienígenas-espíritas, mas que ao mesmo tempo têm sua pequena crença católica. Parabéns aos envolvidos, que conseguiram catequizar ou impor dogmas até mesmo a forças/seres de outros planetas.
Mas isso tudo é ainda menos descabido do que os discursos panfletários. O filme reserva alguns minutos para Murilo Rosa declamar palavras sobre a necessidade de proteger a natureza, após tanto enfoque nas belezas da região, e, o mais absurdo, criticar o aborto. A frase em relação ao tema surge tão descolada e sem propósito que fica difícil acreditar no que se ouviu. Cabia tratar o assunto de forma menos dogmática. É assim que Área Q desperdiça o frágil material inicial, mas que até certa altura era tratado de forma digna.
Não se sabe ao final o que tirar de lição útil dessa batida de ficção científica, espiritualidade e panfletarismo ideológico da pior espécie, apoiado em absolutamente nada, no contexto desta obra, a não ser na crença e na opinião baseada em achismos. Pior ainda quando há a tentativa de ligar tudo à ciência, por meio da exposição, rasa e barata, da percepção de tempo e sua relatividade. Lá pelas tantas, realmente pouco importa o drama do pai em busca do filho. Menos ainda o mistério da região. A tentativa do discurso grandiloquente fracassa.
4,0
Sci-fi filmada no interior do Ceará tem tudo pra me agradar, foda é que agora tão querendo meter espiritualismo em tudo.
Faço minhas as sua palavras Marcus, só colocaria um "não" antes de "me agradar".
Hahaaahhaha, Wellington, mas o Brasil deveria investir mais no gênero, que é pouco explorado por aqui.