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Críticas

Cineplayers

Raimi e seus atores parecem se divertir tanto quanto a plateia nesse filme mais engraçado do que assustador.

7,0

Todo mundo começa de alguma forma. No caso de Sam Raimi, o início foi em meio ao sangue e à podreira. Antes de se tornar um diretor do grande escalão da indústria cinematográfica com a multimilionária série Homem-Aranha, Raimi se destacou em filmes de terror trash, mais especificamente A Morte do Demônio e Uma Noite Alucinante, nos quais uniu originalidade, criatividade, sangue e bom humor. Hoje transformadas em cult, as aventuras de Ash em meio aos mortos colocaram o nome de Raimi no mapa, oferecendo ao cineasta a oportunidade de construir sua carreira até chegar ao topo de Hollywood com as produções do aracnídeo.

Agora, dezessete anos após sua última incursão no gênero (O Dom da Premonição, de 2000, tinha uma proposta mais séria), Raimi retorna às origens com Arraste-me Para o Inferno. Escrito pelo próprio cineasta em colaboração com seu irmão Ivan Raimi, a produção conta a história de Christine Brown, responsável por aprovar empréstimos no banco onde trabalha. Disposta a mostrar ao chefe que tem pulso firme, Christine acaba negando o adiamento da hipoteca da idosa Sylvia Ganush. Como forma de vingança, Ganush joga uma maldição sobre Christine, na qual a garota será atormentada durante três dias por um espírito maligno antes de ser levada para o inferno.

Dois aspectos ficam claros logo nos primeiros minutos de projeção de Arraste-me Para o Inferno: primeiro, o objetivo de Raimi é prestar uma clara homenagem aos filmes de terror dos anos 80; e, segundo, a produção não deve ser levada a sério em momento algum. O próprio surgimento do logotipo da Universal já comprova a intenção do diretor em realizar algo que remeta à época de seus primeiros filmes, aproveitando a vinheta de abertura do estúdio que era utilizada naquele tempo. Esse “retorno” também pode ser percebido na forma com a qual Raimi compõe seus planos, utilizando-se de movimentos de câmera exagerados, zooms nada elegantes e outros artifícios que deixam de lado qualquer sutileza.

A opção de Raimi por essa estética camp / kitsch poderia ter transformado Arraste-me Para o Inferno em uma experiência insuportável e com cara de amadora, mas não é o que ocorre. Não se trata de um diretor sem talento inventando para mascarar sua inépcia ao contar uma história; pelo contrário, o que se vê aqui é um cineasta extremamente capaz divertindo-se com seu trabalho como parecia não fazer há algum tempo. Raimi apela para o exagero para construir um filme essencialmente trash, onde tudo é uma grande brincadeira, como fica claro em cenas como aquela na qual o sangue, ao invés de pingar, simplesmente jorra do nariz da protagonista, os momentos asquerosos envolvendo secreções que saem de uma boca e entram em outra e, claro, a sequência envolvendo uma bigorna – sim, uma bigorna!

Como resultado, ao invés de o espectador ficar os pouco mais de noventa minutos em estado de tensão, o que ocorre é que um sorriso brota no rosto e parece não sair mais. Há momentos de deboche total (como a dança que o espírito faz ao entrar no corpo do ajudante de San Dena) e, o que é realmente importante, todo o elenco parece se divertir junto com o cineasta ao brincar com o gênero. Alison Lohman, por exemplo, parece estar em conluio com Raimi no aspecto jocoso e interpreta Christine Brown no limite do histrionismo e da sátira – e o momento no qual procura o gato com uma faca na mão é um bom exemplo disso. Enquanto isso, Lorna Raver se destaca ao fazer da cigana Ganush uma criatura nojenta e repulsiva, mas sem deixar de lado o bom humor.

Mesmo que tudo não passe de uma grande “tiração de sarro” da parte de Raimi, é possível perceber que por trás das câmeras existe um cineasta com ótima noção de ritmo, enquadramento e, fundamentalmente, de cinema. O diretor constrói algumas cenas excelentes do ponto de vista técnico (como a da exumação do corpo) e caminha com tranquilidade sobre a difícil linha de usar o terror para fazer rir sem se tornar ridículo. Além disso, a opção por dar ao filme uma característica cômica o exime da culpa por utilizar clichês de terror, como os sustos dados com a trilha sonora, e até mesmo os descarados e nada convincentes efeitos digitais.

Em contrapartida, Arrasta-me Para o Inferno não atinge a originalidade que o cineasta apresentou em seus trabalhos iniciais. Dessa forma, o filme jamais passa de um passatempo rápido e bem conduzido, mas completamente esquecível assim que os créditos começam a rolar. Contribui também para o prazo de validade da obra o roteiro básico, sem grandes ideias, que ainda derrapa na previsibilidade ao tentar surpreender com reviravoltas óbvias que a plateia percebe muito antes do ideal.

No entanto, o resultado final é positivo. Arraste-me Para o Inferno pode não ser assustador como prometia, mas é aquilo que os norte-americanos chamam de guilty pleasure: um filme sem grandes qualidades cinematográficas, mas extremamente prazeroso de se assistir. O espectador que entrar na brincadeira certamente vai se divertir. Assim como parece ter sido para o próprio Sam Raimi nessa sua volta às origens.

Comentários (1)

Cristian Oliveira Bruno | sexta-feira, 22 de Novembro de 2013 - 16:57

Há quem não tenha entendido nem comprado a idéia do filme, que foi sim, divertir!!! A coragem de Raimi impressiona!

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