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Críticas

Cineplayers

À margem do excesso.

7,0
Hoje em dia produções com uma pegada contemplativa não assustam ou surpreendem mais ninguém. Desde que Terrence Malick voltou há 20 anos atrás com Além da Linha Vermelha, o cinema de fluxo (como hoje é difundido filmes de narrativa menos tradicional, com viés mais observacional - e que com certeza estará em voga no Olhar de Cinema) criou inclusive admiradores e autores que se auto-influenciam, partilhando suas vozes afins. Portugal tem apresentado profissionais para o gênero e André Gil Mata ainda pode ser considerado uma aposta. Sem ter lançado filme em circuito ainda por aqui, André já passou pelo Olhar antes e saiu daqui premiado, na terceira edição do festival. Volta com esse longa que passou fora da competição principal de Berlim desse ano, que provoca da maneira certa.

A começar que o filme nos envolve e carrega pra dentro de seu universo com extrema facilidade e rapidez, com uma certa exigência mas cujo processo de imersão se dá bem fácil, tamanho é o grau de sedução de seus recursos. Não dá pra negar que sobra coragem a André já no seu plano inicial, que descobrimos ser uma sequência única de apresentação de 15 minutos, sem diálogos, apenas com o deslocamento da câmera de um cenário a outro, no primeiro com uma mãe e um filho em afastamento imagético que se encaminha para o segundo, onde acontece o oposto com o senhor mais velho no quarto ao lado, em aproximação. Só então o letreiro, que precede novo plano sequência de 13 minutos, onde o idoso carrega uma quantidade crescente de garrafas numa espécie de bambu.

O filme nessa contemplação já citada, onde a primeira palavra dita só acontece com uma hora de projeção, e vai se encerrar aí sim num extenso diálogo entre a criança e o idoso, que finalmente se encontram para uma espécie de acerto de contas. Para além do fato do filme ter um plot twist ligeiramente captado antes da revelação, isso não borra o trabalho de André, que abre seu longa com a espécie de 'tableau vivant' já citado e segue em tom de risco calculado, perseguindo o protagonista através de suas ações externas e insistindo nos planos longos, muito bonitos e com certeza dificultosos. Além disso, o trabalho de som do filme de fato é um capítulo a parte, podendo sozinho gerar um debate entre profissionais específicos, tamanha é a qualidade apresentada da captação sonora.

A discussão que o filme levanta é de caráter dúbio. Apesar da beleza do material filmado e realizado, ficam questões abertas. Afinal, a duração é de 1 h e 40, praticamente sem diálogos, onde acompanhamos um senhor carregar garrafas, pendura-las num bambu, levá-las até um barco, descer um rio gelado com elas, para enchê-las e trazer de volta a sua vila. Ao sentar e analisar quadro a quadro (e no fim das contas, o filme é composto por poucos, por tão longos), fica a sensação de que pouca coisa aconteceu nessa narrativa, se é que há uma que não aquela de sempre, homem x natureza. Ainda que a tal reviravolta final ressignifique o todo, fica a impressão de uma certa egolatria por parte do realizador. Ainda que seja a mais forte impressão. 

Filme visto no Olhar de Cinema de Curitiba 

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