Insustentável! Insustentável como a miséria. Insustentável como o poder. Esta não é uma história sobre um assalto, mas sobre as consequências dele para um grupo. Livremente baseado em caso ocorrido no Rio de Janeiro em 1960, acompanhamos o silêncio de um bando de assaltantes ao longo de um ano, após estes roubarem 27 milhões de cruzeiros. Cada um em sua casa, diante milhões que não podem ser gastos, cientes do perigo em serem pegos, entendendo que a morte é a ameaça. Mas o silêncio também é insustentável.
Filmado com primor e surpreendente rigor técnico, o que faz do filme uma interessantíssima experiência cinematográfica ainda hoje, O Assalto ao Trem Pagador é uma das mais célebres obras da filmografia brasileira. O aclamado diretor de cinema e tv, Roberto Farias, faz uso de uma estrutura convencional para criar um arco dramático incisivo ao iniciar sua obra com o assalto em grande ritmo, entre cenas inspiradas pelo faroeste americano, culminando na fuga e um acordo: ao longo de um ano, nenhum dos participantes do assalto ao trem pagador poderá usufruir de mais do que 10% do que conseguiram roubar. Diante tanto dinheiro, a tentação do consumo aparece como forca cerrando a garganta e explana o universo desfavorecido onde residem.
Assistimos à divisão de classes tendo palavras como munições. Para alguém, a morte de uma criança na favela não é para se lamentar tanto, já que é um a menos a sobreviver no meio da miséria. Para outro, pobre rouba galinhas, pois roubar pouco é o que dá cadeia. Em cena, a pobreza da periferia carioca em evidência quando seus habitantes assumem a façanha, com negros a postos nos trilhos em ação, armados na estrada de ferro Central do Brasil, enquanto o mentor desfruta a maresia da zona sul. Peru Grilo, o loiro de olhos claros que caminha por Copacabana, é quem planeja o roubo; os pobres, liderados por Tião Medonho, são quem cumpre toda a articulação do ousado assalto. Os dois personagens participam de uma das cenas mais terminantes de todo o longa, de perversa humilhação e de racismo. Crime entre crimes.
Tião Medonho é vivido com autoridade e carisma pelo ator Eliezer Gomes. É o protagonista e o mais explorado entre os personagens. Vivendo vida dúbia, tem horror à pobreza e idealiza um futuro melhor aos filhos. O pensamento: seguirá pobre, mas as crianças não viverão o que diariamente vive. A realidade travestida de ficção faz do filme absolutamente atual. Quase 60 anos e pouquíssima coisa parece ter verdadeiramente mudado. A realidade da fome. A realidade da violência. Roberto Farias apenas conta a história e deixa que o público a questione ou analise.
Bem orquestrado e sem abstrações, o filme vai direto ao ponto, ainda levado por uma trilha pulsante do maestro Remo Usai que colabora para a tensão. A conjuntura do assalto era impensável. Manter o segredo e esconder tanto dinheiro era definitivamente insustentável. Enquanto metáfora visual, o espelho num quarto revela muito mais do que a imagem de quem o olha e se martiriza. A polícia e a imprensa não acreditavam que brasileiros fossem capazes de realizar um roubo assim. Até a competência é contestada. Mas é o contexto, crime e criminosos em distintos polos da desigualdade; no cinema, sinaliza outra vez que o crime não compensa, mas há quem pague mais caro.
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E só dá Grande Otelo nesse site. Viva! "Direto ao ponto". Parabéns!