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Aterrorizada

(The Ward, 2010)
5,7
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109 votos
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Críticas

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John Carpenter’s mirrors.

0,0

Dez anos já decorreram desde Fantasmas de Marte (Ghosts of Mars, 2001), último longa-metragem de John Carpenter. Nesse ínterim, ele dirigiu apenas dois episódios da série de televisão Mestres do Terror (Masters of Horror): o excelente Pesadelo Mortal (Cigarrete Burns, 2005) e Pro-Life (idem, 2006). Por causa desse intervalo de tempo, foi possível prever que um novo trabalho do mestre suscitaria uma espécie de frenesi nos fãs mais devotos.  E aqui está Aterrorizada (The Ward, 2010) comprovando a antevisão.

É preciso dizer, primeiramente, que assistir a Aterrorizada é mais gratificante para quem já se aventurou pela obra de Carpenter. Analogamente, é interessante retomar o conteúdo de O Enigma do Outro Mundo (The Thing, 1982), Os Aventureiros do Bairro Proibido (Big Trouble in Little China, 1986) e O Príncipe das Sombras (Prince of Darkness, 1987), filmes cujas histórias se passam em terrenos perigosos e pouco desbravados pelas personagens. Nesse mais recente projeto, conhecemos Kristen (Amber Heard), uma jovem que é capturada e internada em um hospital psiquiátrico, onde firma amizade com outras moças e é perseguida por uma entidade sobrenatural que ali reside. À exceção da cena em que a vemos incendiar uma misteriosa casa, durante os nossos primeiros contatos com a loura, podemos observar que suas atitudes revelam mais estabilidade mental que loucura.

Apesar dos acertos perceptíveis, o filme indignou muitos críticos e admiradores da obra do diretor. Comentários que citam a simplicidade e obviedade do roteiro, a assepsia diegética, a beleza exagerada das personagens, o desfecho previsível, entre outras coisas, surgiram em profusão em alguns sites especializados, blogs e redes sociais. Eu, entretanto, prefiro acreditar que um filme de John Carpenter não pode ser julgado apenas por esses elementos, o que não quer dizer que não possuam, em maior ou menor grau, importância. É imprescindível ressaltar que, antes de tudo, seus trabalhos estudam com invejável perícia e lucidez o medo e as adversidades extremas de realidades quase inconcebíveis. Além disso, o desenvolvimento de Aterrorizada, ao contrário do que muitos pensam,não deixa transparecer algo tão límpido, pois ele trata de um documento mental, de estilhaços de um colapso interior já anunciado nos créditos iniciais através do esfacelamento de espelhos que refletem imagens aterradoras.

O que impressiona, todavia, é como, apesar dos pontos negativos mastigados até a exaustão por muitas pessoas (incluindo uma reviravolta que pode não despertar muito entusiasmo em alguns espectadores), a mão de um grande diretor acolhe todos os excessos e dá-lhes funções imprescindíveis dentro da trama. A ambiência típica dos melhores trabalhos anteriores foi satisfatoriamente reconstruída e o destaque dado a algumas personagens (femininas) mais frágeis, que não carregam todas as intrépidas e paradigmáticas características dos protagonistas interpretados por Kurt Russel e outros ícones, ocupa um espaço relevante dentro desse processo de reorganização e redimensionamento estilístico. Evidentemente, não se trata de uma obra-prima; contudo, também não é uma nota de aposentadoria. E, tentando deixar de lado a visão de fã, posso dizer que o resultado supera as expectativas. Estamos lidando com um filme objetivo e equilibrado, que respeita seus limites e, por isso, não pode ser dilacerado pelos critérios comuns aplicados na apreciação de algumas obras cuja mediocriadade jamais permitiria que fossem colocadas ao lado de qualquer coisa feita por John Carpenter.

A última cena, que foi bastante repudiada também, apresenta, entretanto, algo certamente interessante. Uma personagem, supostamente curada, está diante de um espelho sem luz - que não absorve sua imagem, portanto; o espelho morto e vaporizado sugere, ao que tudo indica, que ela ainda não encontrou a si própria e, ao mesmo tempo, que as outras imagens apresentadas pelos fragmentos do início do filme foram embora, não a perseguem mais. A dúvida é a única coisa da qual podemos lograr. Então, será que aquelas projeções não constituíam parte indissociável de seu caráter? Será que expurgar aquelas vidas não seria uma autonegação, aqui alegorizada pela falta de reflexo? Logo após, apreciamos uma sacada, pra lá de previsível, que remonta aos desfechos da maioria dos trabalhos de Carpenter. Sobem as letras.

Esse ambíguo ato final pode não elevar a qualidade do conjunto, mas com certeza foi bem lapidado. Portanto, um filme para John Carpenter, realizador que sabe onde pisa, é sempre uma consistente e aprazível experiência, ainda que não seja genial ou inovadora. Nessa retomada, percebemos que a agregação flamante de características inabaláveis do gênero, além de evidenciar o valor do trabalho de um nome mítico que está de volta para ser apreciado por outros públicos e que nos convida a uma singela incursão por sua obra. Aterrorizada é um exercício de flexão lépido e certeiro, um conto claustrofóbico repleto de imagens solidificadas pela consciência cinéfila e uma névoa tenaz, porém passível de dissolução, desde que exista um movimento dialógico e, consequentemente, um envolvimento verdadeiro entre espectador e filme, claro. Enfim, um filme B bastante operante.

Atenção: a quem ainda não assistiu ao filme, sugiro que retome o penúltimo parágrafo, para entendê-lo melhor, assim que o fizer, pois o que nele está escrito carece de mais objetividade e exemplificações em decorrência da minha escolha de não revelar o final.

Comentários (1)

Rodrigo Barbosa | quinta-feira, 08 de Setembro de 2011 - 16:06

Um filme cheio de seus altos e baixos, na minha opinião. Sempre adorei a forma com que o John conduz a câmera em seus filmes. Ele é um tipo de diretor decidido, sabe para onde deseja que o telespectador olhe. Sabe viajar pelos ambientes de uma forma assustadora e isso, para mim, é o que lhe faz o mestre que é, para toda uma geração. Mas não posso negar que este filme me decepcionou em alguns pontos, a maior parte deles já citados pelo David. Roteiro e personagens foram os maiores problemas na minha opinião. A dubiedade tão citada, na realidade é mostrada de uma forma tão superficial que não me fez, como telespectador, mudar de uma hora para outra, a concepção sobre a personagem envolvida na reviravolta. Toda a explicação soou bastante forçada e um tanto quanto inverossímil, se levado ao crivo da racionalidade. Mas como Carpenter nunca foi um diretor prostrado à racionalidade, então, se assistido sem nenhuma expectativa maior de estar lidando com uma obra-prima do cinema de terror, "Aterrorizada" torna-se bem digerível e até divertido. Mas nada demais, nada demais mesmo.

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