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Críticas

Cineplayers

A má construção dos personagens e dos relacionamentos entre eles estraga o que poderia ter sido uma bela história.

5,0

Dizem que o general norte-americano Dwight D. Eisenhower, após ver com seus próprios olhos os horrores dos campos de concentração, disse as seguintes palavras: “Que façam o máximo de fotos e filmes dessa barbárie, pois um dia chegará algum idiota para dizer que nada disso aconteceu”.

Hollywood seguiu ao pé da letra a recomendação do ilustre militar. Ao longo dos mais de sessenta anos desde o fim da Segunda Guerra, a quantidade de filmes sobre o Holocausto é simplesmente impossível de ser contada. Como consequência, torna-se cada vez mais difícil para uma produção sobre o assunto oferecer algo realmente novo, além de viver à sombra de obras-primas como A Lista de Schindler e O Pianista. Este recente Um Ato de Liberdade é uma vítima desse problema.

Ainda que conte uma história de superação e heroísmo desconhecida da grande maioria, o filme é realizado de forma comum e sem inspiração, caminhando para se tornar apenas mais um do gênero. O filme se passa em 1941, na Bielorrússia. Após a perseguição alemã aos judeus da região, que acaba vitimando seus pais, os quatro irmãos Bielski fogem para a floresta. Ali, aos poucos, começam a formar uma comunidade junto a outros refugiados, dando uma luz de esperança a todos.

Como se vê, trata-se de fatos inspiradores, mais uma entre as milhares que surgiram decorrentes dos tentáculos do nazismo. No entanto, o fato de ser baseado em uma grande história não significa que o resultado será um grande filme. O grande problema de Um Ato de Liberdade é o roteiro de Clayton Frohman e do próprio diretor Edward Zwick, que falha miseravelmente ao tentar desenvolver os personagens e uma narrativa fluida. Tudo no filme é abrupto, sem grandes explicações e sem uma construção gradativa, capaz de absorver o interesse da plateia pelo que é visto em tela.

Isto vale, por exemplo, para os relacionamentos entre os personagens, tanto os amorosos quanto o dos irmãos. O caso dos primeiros é o pior. O desenvolvimento do romance entre Zus e Bella, Asael e Chaja e Tuvia e Lilka é inexistente. O filme simplesmente joga duas ou três cenas com cada casal contracenando como se isso fosse suficiente para o público acreditar na construção destes laços. Da mesma forma, o relacionamento entre os irmãos é igualmente tratado de maneira superficial: as brigas entre Tuvia e Zus são absurdamente infantis, parecendo coisa de duas criancinhas mimadas.

Isso se deve também ao fato de que nenhum personagem é desenvolvido satisfatoriamente. Os fatos que deveriam causar modificações neles são apresentados de maneira aleatória, sem que se apresente as consequências disso nas pessoas. Por exemplo, Tuvia se vinga do policial que matou seus pais, mas essa questão jamais influi em suas ações futuras, mesmo que ele seja apresentado como um homem de consciência. O mesmo vale para o que acontece com Zus, que decide abandonar a comunidade por uma briguinha pelo poder e volta após ver um judeu sendo maltratado pelo exército. Além de extremamente simplistas, esses acontecimentos não têm efeito no personagem, que termina o filme exatamente como começou.

Ou seja, não há qualquer arco dramático na trama. Tudo é rápido, tudo é raso e, por conseguinte, tudo acaba soando falso. O que contribui para essa falta de verossimilhança é a opção pelo sotaque. Por que fazer os atores adotarem um inglês com sotaque russo? Por que simplesmente não falar inglês? Todo mundo sabe que se trata de uma história passada naquele local com personagens de lá, então essa opção não faz qualquer sentido. Quem sofre com isso são os atores, que se veem diante de uma armadilha da qual sofrem para escapar, uma vez que os sotaques vão e vêm e nem sempre são convincentes.

Além disso, são os atores também os maiores prejudicados pelos já citados problemas do roteiro. Daniel Craig e Liev Schreiber entregam intensidade aos papéis, mas jamais chegam a compor pessoas complexas e reais. Se isso acontece com os protagonistas, não há muito o que esperar dos demais intérpretes. Profissionais talentosos como Jamie Bell e Alan Corduner pouco podem fazer para superar o material deficiente, que não proporciona espaço para desenvolverem seus personagens ou brilharem mais.

Como se não bastasse, o texto ainda apresenta uma série de dúvidas e incoerências. Em determinado momento, por exemplo, Tuvia e Asael chegam a uma cidade dominada por alemães, fazem uma conferência com os judeus do local e um grupo de dezenas de pessoas simplesmente sai sem ser incomodado. Aliás, o filme também não explica como os judeus da região todos sabiam quem eles eram e onde se encontravam, enquanto o paradeiro era ignorado pelos alemães. E de onde eles tinham tantos pregos, ferramentas e outros materiais para construir a comunidade? São todas questões simples, mas que o roteiro não se presta a responder.

Ao mesmo tempo em que falha no roteiro, Edward Zwick também comete erros na direção. O principal deles é repetir o que havia feito em Diamante de Sangue ao diluir uma história séria e poderosa em cenas de ação típicas dos anos oitenta. Em outras palavras, Zwick faz de seus personagens soldados quase invencíveis, capazes de enfrentar o exército inimigo praticamente sozinhos – a cena final, por exemplo, poderia ter sido protagonizada por John Rambo. Dessa forma, o cineasta acaba fugindo do realismo que é fundamental para uma história dessas funcionar.

O cineasta ainda resvala novamente em seus próprios exageros ao narrar tudo com mão pesada. Em diversos momentos, Zwick apela para o melodrama, sufocando o espectador com tentativas forçadas de emocionar – por não haver identificação entre plateia e personagens, esse é o único recurso do diretor. Além disso, algumas opções não conseguem atingir os objetivos propostos, como a sequência que contrapõe a ação de Zus na guerra e o casamento de Asael; um momento cinematograficamente bem realizado, mas desprovido de propósitos dentro do filme.

Porém, Um Ato de Liberdade não é um completo desastre. O filme consegue se manter interessante, principalmente devido à própria força da história: é sempre inspirador acompanhar tais contos de superação em meio aos terrores promovidos pelo nazismo. Da mesma forma, Zwick ganha pontos a cada vez que assume como objetivo retratar as dificuldades do dia-a-dia daquelas pessoas, como a fome e o frio. Nesse sentido, Um Ato de Liberdade remete a O Pianista, ao dar mais ênfase à história de sobrevivência do que ao conflito. Infelizmente, esta comparação com a obra-prima de Roman Polanski empalidece ainda mais a produção, pelo fato de a plateia ter como referência aquele brilhante e emocionante trabalho.

Longo e com poucos focos de interesse, Um Ato de Liberdade chega para se tornar apenas mais um do gênero. O desenvolvimento raso dos personagens e a consequente falta de identificação entre eles e o público resulta em uma obra fria e distante. Mesmo assim, Um Ato de Liberdade, ainda que repleto de problemas e ideias mal executadas, não chega a ser um trabalho abominável. O problema é que, perto do que poderia e deveria ter sido, Zwick entrega um filme com o qual é impossível não se decepcionar.

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