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Críticas

Cineplayers

Cinema é busca.

8,0

A frase pode soar genérica se dita em qualquer contexto, mas não aqui. Em Aurora, ela reverbera como manifesto. Há uma inquietação no centro do filme que move não só a câmera, mas o próprio realizador. Não se trata apenas de contar uma história, mas de escavar uma memória pessoal, familiar e, por isso mesmo, coletiva. É um filme que pulsa no terreno instável entre a lembrança e a ausência, entre o lar e o exílio, entre o que se pode dizer e o que ainda precisa ser escutado.

O ponto de partida é um sonho, e talvez não haja lugar mais honesto para começar um filme sobre pertencimento e identidade. A figura de João, personagem central, aparece no início como condutor narrativo, mas aos poucos vai compreendendo que o que o filme tem de mais potente não está nele. Está nas mulheres de sua família. E o que era antes um olhar de fora torna-se escuta, e essa transição é um dos movimentos mais bonitos de Aurora. É nesse gesto que o filme encontra sua força: quando abre espaço, quando se descentraliza, quando reconhece que a história a ser contada pertence a outras vozes.

O que emerge, então, é o retrato de uma linhagem feminina marcada pela dor, pela violência, pelo silenciamento. Um Brasil conservador, ainda tão resistente às transformações sociais, torna-se cenário e agente de tragédias que, embora particulares, encontram eco em tantas outras famílias. Nesse sentido, não há nada de “particular demais” aqui. Aurora é um reflexo íntimo e, ao mesmo tempo, coletivo. Quantas histórias como essa não existem escondidas por esse país?

Há quem diga que o filme poderia ser mais curto. Talvez. Mas é difícil negar que cada digressão, cada retomada, cada camada adicionada ao longo do percurso faz parte da construção sensível que o diretor propõe. É um cinema de fluxo, onde os símbolos e significados não vêm prontos, mas vão sendo perseguidos, intuídos, descobertos. E ainda que às vezes pareça hesitar, o filme sabe o que precisa dizer, e diz com coragem.

Quando o filme atravessa o Atlântico e aterrissa no sertão brasileiro, é como se algo finalmente se encaixasse. A força das mulheres nordestinas preenche a tela com uma presença que é ao mesmo tempo frágil e inquebrantável. A escalada dramática, construída com sensibilidade, deixa claro: Aurora não é sobre a busca por um final. É sobre o enfrentamento de um passado que insiste em voltar. É sobre encontrar, na memória e na ancestralidade, a possibilidade de entender quem somos e de onde viemos.

Talvez seja justamente essa intimidade com a história que transforma Aurora num filme urgente. Um gesto de amor e de denúncia. Um lembrete de que há histórias que precisam ser contadas e que precisam ser ouvidas.

Filme assistido no Olhar de Cinema – Festival Internacional de Curitiba.

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