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Aviador, O

(Aviator, The, 2004)
7,5
Média
778 votos
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Sua nota

Críticas

Cineplayers

Scorsese conta a história real do magnata da aviação americana, em um belo trabalho psicológico em cima do protagonista.

8,0

Depois de derramar sangue pelas ruas de Nova York, Martin Scorsese resolveu fazer um filme completamente diferente do que está acostumado, mas tão bom quanto seus últimos trabalhos. É a volta do desenvolvimento complexo dos personagens em um filme que, aparentemente, nem parece seguir a tradicional linha característica do diretor. Fica fácil entender todo o glamour por trás de O Aviador quando se tem o conhecimento de que Minha Bela Dama, um dos mais luxuosos filmes da história, é também um dos preferidos de Scorsese.

O filme conta a complexa história real de Howard Hughes, que se tornou magnata da aviação mundial após a herança milionária dos pais. Fascinado por aviões, ainda na era muda do cinema filmou um épico que impressiona pelo realismo mesmo nos dias atuais, chamado Hell's Angels. Depois das intermináveis filmagens finalmente se encerrarem, Howard decidiu regravar o filme apenas para incluir o som, novidade no cinema com o primeiro filme falado da história, O Cantor de Jazz (que faz uma pequena aparição no filme). O perfeccionismo e planejamento eram tantos que ele chegava a deixar uma equipe monstruosa parada apenas por não ter 26 câmeras para filmar uma seqüência, e sim 24. Ela afirmava que, com duas a menos, não poderia realizar o que tinha em mente.

Não era apenas com filmes milionários que Howard gastava sua fortuna. Por tanto amar e conhecer as máquinas voadoras, ele passou a investir na tecnologia das mesmas. Pensando sempre no futuro, descobrir novos avanços na área, conseguiu boas proezas, como aviões transportadores de grande porte e outros recordistas de velocidade. Em tudo o que sua empresa envolvia, havia o seu ousado 'dedo' por trás. Dinheiro não era problema, era solução. Pensando assim, gastava milhões em poucos segundos, sem pensar nas conseqüências que um erro poderia trazer à sua empresa. Ele chega a comprar 18 milhões de dólares em aviões em poucos segundos, antes mesmo de você poder pensar no monte de dinheiro que este valor representa.

No amor, esteve sempre acompanhado das mais belas mulheres. Cate Blanchett constrói uma caracterização mais do que perfeita para Katharine Hepburn, uma das maiores estrelas do cinema, de filmes como Uma Aventura na África e Núpcias de Escândalo, com quem Howard fora casado por alguns anos. Todo o jeito de ser, independente, charmosa e, em vários momentos, arrogante, foram colocados juntos com o sotaque carregado da atriz. Enquanto isso, Kate Beckinsale faz uma atuação bastante discreta para Ava Gardner, que merecia uma interpretação bem mais inspirada e que causasse impacto, assim como Cate fez com Hepburn.

John C. Reilly, que vem participando de várias produções importantes nos últimos anos, como As Horas e Chicago, é o braço direito de Howard, sempre fiel e tentando deixá-lo com os pés no chão com relação às finanças da empresa. Protagonizando tantos momentos engraçados (quando, aos berros no telefone, contraria os milhões gastos por Howards) quanto dramáticos (seu brilhante comentário quanto à transfusão de sangue), o ator rouba a cena do elenco secundário, encobrindo até participações de grandes nomes do cinema, como Jude Law, Alec Baldwin e Willem Dafoe.

Leonardo DiCaprio, que aos poucos retorna à um grande número de produções, evitando a super exposição causada por Titanic, parece ser o novo apadrinhado do diretor. Depois de protagonizar Gangues de Nova York, ele já está no promissor elenco de The Departed, próximo trabalho do diretor, que contará com nomes de peso como Jack Nicholson e Matt Damon. Ele já está em seu terceiro longa com Scorsese, mas ainda longe do antigo queridinho do diretor, Robert De Niro. Juntos, fizeram oito filmes, produzindo algumas obras-primas, como Touro Indomável e Taxi Driver.

Porém, em O Aviador, Leonardo DiCaprio consegue a melhor atuação de toda a sua carreira. Encarando um personagem complexo e cheio de manias, DiCaprio não deixa a peteca cair um segundo sequer, tornando-se o grande nome do filme. Com a voz alterada, ele concede uma perfeita ambigüidade à Howards. Um paradoxo gerado pela inteligência abusiva do rapaz, capaz de pensar e realizar verdadeiras proezas, até sua fragilidade quanto à pequenas coisas do dia-a-dia, resultados de um trauma de infância após a morte da mãe.

O modo delicado com que Scorsese expõe o seu personagem é genial. Propositalmente frio, afasta o público casual do personagem ao não dramatizar algumas seqüências que, em mãos erradas, poderiam virar verdadeiras novelas mexicanas. Ao mesmo tempo que vemos Howards em hangares completamente tomados por poeiras, óleos e as mais diversas sujeiras comuns do local, ele não consegue sair de um banheiro de classe alta com medo de se infeccionar com a maçaneta, por mais luxuoso que seja o ambiente. Isso não soa, em nenhum momento, ridículo. Pelo contrário, sabemos exatamente porque o personagem está reagindo devido à excelente construção que, a cada segundo, Scorsese faz em seu personagem.

Cuidadosamente o moldando ao longo de quase três horas de produção, o filme não tem uma história fixa, de início, meio e fim. É um filme de situações e construções psicológicas, com belíssimas seqüências e, o maior defeito do filme, sofre pela falta de um clímax na história. A melhor seqüência de todas, aquela que fica mais marcada ao final da exibição, é o acidente em que Howards se envolve. Uma seqüência absurdamente bem feita, de bons efeitos e editada de uma maneira bastante especial, confere um pouco de tensão a lenta e desenvolvida trama. É, por poucos minutos, o momento mais claro que nos remete à um filme de Scorsese.

Mas essa falta de clímax, que se mostra preocupante ao sairmos do cinema sem uma cena marcante específica, não é culpa do excelente roteiro de John Logan. O roteirista, que alterna momentos de brilhatismo, como em Gladiador, com algumas bombas atômicas, como em A Máquina do Tempo, desta vez escreve o melhor roteiro de sua vida e retrata longos e complicados anos da vida de um homem de maneira mais que correta sem deixar a passagem de tempo transparecer à história. Esse problema é ocasinado pela opção mesmo de Scorsese, de não tentar nos emocionar. Ele se concentra, a cada cena de seu filme, em mostrar a complexidade da personalidade de Howards. E, pensando por esse caminho, consegue ser bastante feliz.

O julgamento de Howards é outro ponto que, pela falta da emoção básica de uma seqüência decisiva, acabou por deixar o acontecimento bem menos interessante do que ele deveria ser. Em momento algum sentimos a gravidade das acusações em cima de Howard, simplesmente porque ele parece estar preparado até demais para o momento, sempre com um contra-argumento na ponta da língua para seus opositores. Tudo é resolvido muito fácil, exceto a obsessão por limpeza. Se é possível comprar com dinheiro, suas ações se limitam a isso, o que tira muito da graça do filme. Não dá para ter boa noção dos riscos que Howard corre porque, por mais milhões que ele gaste com suas loucuras, a fonte parece inesgotável e ter sempre outros muitos milhões a mais prontos para serem torrados.

O Aviador eleva Scorsese de volta aos holofotes com um profundo trabalho psicológico em torno do lendário Howard Hughes e tudo o que contornou sua vida. Junte a bela composição da história com bons efeitos, um inspirado Scorsese, um luxo nunca visto antes em seus trabalhos e um ritmo bastante incomum à Hollywood que a falta de clímax se torna um defeito a ser superado com o tempo. A obra, neste período, só tende a amadurecer e ficar cada vez melhor. Dê uma chance a ele. Não tire conclusões precipitadas, discuta o conteúdo com amigos e perceba que O Aviador é muito mais completo do que pode parecer à primeira vista. Só não espere sentimentalismo por parte de Scorsese. Disso ele passa longe, mas muito longe mesmo.

Comentários (2)

Cristian Oliveira Bruno | sábado, 23 de Novembro de 2013 - 13:27

Uma ótima cinebiografia. Di Caprio e Blanchett estão perfeitos e Scorcese nunca falha. NUNCA!!!!

Lucas de Melo Silva | terça-feira, 31 de Dezembro de 2013 - 12:20

Uma das fotografias e direções de arte mais incríveis que vi, Scorsese é um gênio.

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