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Barton Fink - Delírios de Hollywood

(Barton Fink, 1991)
7,8
Média
270 votos
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Críticas

Cineplayers

O cinema, segundo os irmãos Coen.

8,5

Há muito o que se dizer sobre Barton Fink – Delírios de Hollywood. Qualquer filme que se disponha a falar sobre seu próprio meio,  o cinema, já merece algum crédito pela ousadia. Ainda mais em tom crítico, reflexivo, profundamente metalinguístico. Barton Fink (John Turturro), o personagem que dá título ao filme, é um jovem e promissor dramaturgo de teatro de Nova York, que após o êxito inicial de sua primeira peça de destaque, é convidado a se tornar roteirista em Hollywood. Estamos nos anos 40, e Barton, fervilhando de ideias frescas e vigorosas para uma nova ordem no mundo do espetáculo, depara-se com uma indústria fortemente sedimentada no cinema dividido por gêneros, em fórmulas pré-estabelecidas, voltado exclusivamente ao lucro, comandado por chefes de estúdio indiferentes a qualquer preocupação artística.

O que não deixa de ser uma ironia, esta que talvez seja a maior marca registrada nos filmes dos realizadores, os irmãos Joel e Ethan Coen. Eles que em cada novo projeto sempre partem do próprio cinema de gênero, para depois subvertê-los, e o fazem com consideráveis traços autorais, dividindo somente entre si as funções de roteiro, produção, direção e edição de todo o material – e todo esse controle não significa pouco numa indústria como a hollywoodiana. Barton Fink é primordialmente um filme de suspense, mas repleto de elementos do policial, da comédia de humor negro e principalmente o noir.

Perplexo com toda a insanidade que há por trás dos mecanismos da indústria do cinema, Barton enfrenta uma crise criativa, uma paralisação mental que será o mote de todo o filme. Um bloqueio que tem seu caráter paradoxal: o personagem é conduzido a uma série de eventos que consistem numa temporada no inferno, onde a grande lição é o infinito abismo existente entre arte e legitimidade artística, entre expressão e comprometimento. Autores, realizadores, criadores de arte, fundamentalmente, levam ao mundo sentimentos que pouco (ou nada) condizem com seus valores e sua vida: tudo não passa de construção de sentido sem significado, discursos que não se sustentam. Este adeus à inocência é alimentado pos vários personagens que compõem o enredo, intencionalmente muito caricatos (o que é algo recorrente nos trabalhos dos Coen), como chefes de estúdio, produtores gananciosos, indo até mesmo a um escritor e roteirista que é grande ídolo de Barton, que sinalizam que a arte, sobretudo em cinema, é entretenimento, e que em nada condiz com o que seria uma forma de expressão dotada de algum tipo de sinceridade. A fatídica conclusão é que, inevitavelmente, tal regra não poupará nem o próprio Barton.

Quando lançado em 1991, o filme causou um grande frisson no Festival de Cannes. Apenas no terceiro trabalho, os irmãos já levavam os principais prêmios do mais importante festival de cinema do mundo:  filme, direção, e ator para John Turturro. Mas o argumento do filme está muito longe de ser original. Ainda que este trabalho esteja em moldes narrativos completamente diferentes, Vincente Minelli, grande diretor de musicais e fonte fidedigna,  já dissecava de dentro o esquema maquiavélico de Hollywood com Assim Estava Escrito (The Bad and the Beautiful, 1952). Fellini fez com 8 ½ (idem, 1963) uma odisséia lírica sobre o diretor de cinema que está sendo cobrado para fazer um filme, mas vive um lapso criativo tremendo. Barton, que se julga um erudito que pretende fazer arte legítima para as classes populares tendo o povo e seus anseios como tema central, é convocado para escrever um filme de entretenimento contendo “luta livre” como tema, justamente para saciar o consumidor de cinema de baixa renda – uma tremenda ironia. 

O que pode parecer um exagero ficcional, não é: William Faulkner, um dos mais importantes e influentes escritores do séc. XX, foi contratado em Hollywood nos anos 40 para fazer exatamente um filme de luta livre. Não só ele, mas tantos outros escritores do alto cânone da literatura, como F. Scott Fitgerald, que é autor do livro norte-americano mais aclamado e reverenciado do século (O Grande Gatsby), foi levado a circunstâncias em que teve seu derradeiro fim como um inexpressivo roteirista de filmes da pior categoria em Hollywood. Pode-se ainda discorrer sobre associações com Orson Welles, que saiu do teatro de Nova York para bater de frente com o sistema de Hollywood (e ser punido por isso); George S. Kaufman, que assim como Barton era judeu, dramaturgo do teatro e apresentava exatamente a mesma aparência (existem fotos comparativas entre ambos na internet); e por último, sem dúvida, o escritor John Fante, que no livro “Sonhos de Bunker Hill” narra com alto teor autobiográfico as desventuras de um escritor sonhador que vai até Hollywood para se tornar roteirista.

Mas além de toda essa visão crítica sobre os moldes em que se faz o cinema e seus paralelos com a realidade e com o próprio cinema, Barton Fink tem uma aura amedrontadora. A iluminação noir, planos e movimentos de câmera hitchcokianos, e a ênfase em detalhes mórbidos só contribuem para imergir o espectador num clima soturno. E se causa esse efeito no espectador, é porque o simulacro está dando certo: entramos na mente do personagem. Não por acaso, o grande vilão do filme está, grotescamente (mas de alguma forma), em busca no que há dentro da cabeça das pessoas. Barton Fink é um filme que busca algum tipo elo perdido entre um legítimo ímpeto de se fazer arte, e ela propriamente dita.

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