A ESCROTIDÃO DO UNDERGROUND INVOCADO E JAMAIS OBTUSO
Basket Case (Divulgação)
O que diabos esta fita de 1982 tem a nos confirmar como regramento tácito do invocado nojoso? É um troço de acepção da mais deliciosa sacanagem possível, que alopra por sobre bases sociais estabelecidas, avacalha convenções tanto morais quanto do cinema propriamente dito. Ora porra, é a estória de um sujeito (2) que nasce bisujeituoso, ou seja, com um irmão deformado nascido por sobre o bucho do outro a tiracolo. E esta criatura é tratada como monstrengo logo de cara. Sem muita conversa. Aliás, neste tipo de cinema, sensibilidade é da delicadeza de um mamute desmamado. Nisso ficamos sabendo que os dois irmãos possuem uma ligação a mais do que se imagina. Eles são separados fisicamente à fórceps, afinal o irmão não-monstro não desejava que a coisa assim procedesse. A contragosto total. Mas o monstrinho sobrevive e aí somos vilipendiados com mais força da descoberta da relação psíquica entre ambos. Um ouvindo o pensamento do outro. Eis que o estraçalhado é resgatado das eiras do lixo e a partir disto eles partem numa saga para buscar um destroçamento criativo por sobre a equipe médica responsável pelo fim do estraçalho do esquema bisujeituoso citado. Nisso o irmão maior carrega o trash Belial numa cesta e por aí caminha.
Dentro desta perspectiva amalucada e assaz canalha, temos nas escolhas estéticas outros trunfos excepcionais. Como os usos de diversas ferramentarias objetivadas para a movimentação da criaturinha de alcunha Belial – bonecos, fantoches e até um stop motion asqueroso –, e também para a criação daquele sujo mosaico social urbano no qual eles estão encalacrados. A década de 80 nos propicia uma gama de exageros diversos a termos de narrativa e linguagem até naquilo que o abuso da sujeira é proposição de delícia criativa. Ora o universo que estes dois irmãos estão inseridos é do mais puro emporcalhar. Um hotel com algumas figuras asquerosas fazendo desgraças diversas dá o tom. Que é algo que combina perfeitamente com a precariedade da produção, que faz força para existir. Enquanto o cinema era sujo com obras a surtarem com a violência urbana nos anos 70, este material alopra mais ainda. Filme grosso. Taxi Driver (Taxi Driver, 1976) e O Assassino da Furadeira (Driller Killer, The, 1979) são exemplos de filmes sujos e insanos que mostram a escumalha de baixo meretrício nova-iorquina, mas esse aqui é encardido no lodo mesmo. Tudo nele fede. Fossa por todos os cantos. Não há somente sujeira aqui. Há a seboseira como justificativa em existência numa imundice detestável. Uma maravilha. Seus personagens tem a obrigação de serem escrotos e porcos. Nisso a aberração aleijada e disforme representa a podridão como retorno do abandono. O horror pútrido com uma boa putaria a justificá-lo e fazendo-o se vender numa década absolutamente amoral e descomedida.
Basket Case (Divulgação)
Planos fechados. Escondendo a pobreza do orçamento. Personagens caricatos. Todos. Som escroto. Ganidos miseráveis da coisa. O embostelado do horror. O que é preciso pra ser horrorífico? Aterrorizante? Aqui é na base daquilo que dá pra fazer num esquema aflição sintomática. Que porra é essa? Zuada no pé do ouvido e besta horrorosa. Gritaria e quebradeira. Totalmente trágico. Desestruturadamente avacalhado. Se a intenção aqui era pelo choque do abuso moral, funcionou bem, ainda mais que ele passa do ponto nisso e fica na caricatura, porém o grande lance dele é que não vira uma piada de si mesmo, mas tem a consciência de ser uma bagaceira assim como o é crítico racionalmente ao tom de moralismo exacerbado que as sociedades ocidentais adoram projetar. O microcosmo do universo dos escrotos personagens aqui é opção de conjuntura social do que está do extradiegético. Um sarro. Afinal, toda marmota cinematográfica tem algum Q de autobiográfico por mais maluca que seja sua premissa. E vamos seguindo uma perambulação de assassínio dos irmãos, onde o diretor Frank Henenlotter usa da cartilha das fitas slashers que fama estavam fazendo ali no seu auge, mas com a sua carga de grosseria. E com um monstrinho desgraçado a ser o executor. Dentro do abuso interno de verossimilhança esquizofrênica que o filme aponta, uma aberraçãozinha com poucos centímetros de altura – e sabe-se lá quantos órgãos internos tinha esta porra –, tem uma puta força e parte para o destroçamento da equipe médica citada, mas isto não é o suficiente para saciar sua grande sede num miúdo corpo fodido. Versa pelo ciúme ao seu irmão (a ordem das linhas de ódio de Belial é até outra, mas vocês que se virem pra assistir à sebosa fita) que vai se aventurar com fêmeas e a criatura não curte a ideia e embaça o brother. Nisso eles se envolvem num triângulo amoroso que vai render em um absolutamente mefítico desfecho no qual as agruras dos personagens como não são resolvidas, mas sim acrescidas de revelação e um conflito final absorto.
Mesmo com toda uma carga óbvia de comicidade mediante sua estrutura e personagens, a personalidade que o filme acaba compondo é de uma insanidade trágica que não deixa de ter seu teor de manipulação espectatorial. Quando vemos o troço Belial logo nos mostramos e rir dele, e a mesma mostra o quão feroz pode ser e ainda somos compelidos em outro momento a sentir pena desta figurinha sempre presa em sua miserável existência de dor e ódio. Não há alegria plena nesse negócio. É um rumo sem volta a algum círculo infernal conhecido por alguns, onde a mistura entre todas as esculhambações citadas acabar por funcionar narrativamente dando ênfase a todas estas questões de maneira satisfatória. É um material que vence por seu exagero. Aqui quanto mais tem, mais vai se lascar sobre e mais tesudo (se é que dá pra usar este termo aqui) fica. A obscurescência de Belial é sintomática em sua escolha de nomenclatura, já que esta alcunha é de um demônio que teria como responsabilidade liderar hordas infernais por sobre homens de bom coração (seja lá qual invencionice cristã da vez que se apareça no apocalipse), ou seja, um diabinho desprezível. E seu (anti)carisma como figura escrota se fortalece à medida que se mostra possível perturbar a todos e matar quem lhe der na telha. Um mar de possibilidades e poder para uma coisa afrontosamente horrível que nem esta. E sua feiura formidável se torna mediante a miséria tácita de seu visual que se transmuta de acordo com o artifício especial usado para mostra-lo. Mesmo com esse teor de marmota ali presente, em momento algum deixa de parecer uma ameaça ou de enojar quem o perceba dentro e fora da tela. Belial, o canalhinha catastrófico, horrendo, hediondo, monstruoso, medonho, pavoroso, trabalhoso, feioso, calamitoso, desastroso, funesto, nefasto, infausto, fatídico, burlesco, remanescente, residual, ledo, pitoresco, chistoso, patético, sinistro, disforme, esquisito, desproporcionado, desengraçado, Zé gambiarra, hórrido, mal-apanhado, sobra, mal-apessoado, malfeito, patife, velhaco, canastrão, infame, ignóbil, indigno, reles, abjeto, torpe, desonesto, descarado, vigarista, embusteiro, trapaceiro, ordinário, péssimo, desleal, crápula, facínora, malandro, salafrário, verme, cafajeste, dissoluto, pérfido, picareta, canalhocrata, vil, perverso, insidioso, torcionário, brutal, cínico, indecente, imoral, mal-intencionado, indolente, dissimulado, malfeitor, bajulador, traiçoeiro, fedo, agourento, negativo, mal-ajambrado, adverso, decomposto, deteriorado, aleijado, amorenar, nodoso, pervertido, rugoso, torcido, retalhado, estragado, putrefato, pútrido, mal montado, brega, cafona, jeca, dispendioso, bimbo, kitsch, remendo, inestético, provinciano, vulgar e SENSACIONAL.
Parte do especial Monstruosidades Imensas
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