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Críticas

Cineplayers

Refilmagem de roteiro precipitado e sem grande profundidade.

5,0

A versão italiana de Um Beijo a Mais, lançada com o título de O Último Beijo é um dos meus guilty pleasures preferidos. Lembro de alugá-lo há alguns anos sem qualquer referência. Assisti-o com certa desconfiança e má vontade. Depois de 10 minutos, o filme já tinha me conquistado. O Último Beijo tratava de temas universais, como o da passagem da vida adolescente para a adulta, a coragem de assumir responsabilidades e a necessidade de se tomar decisões que influenciam o resto das nossas vidas. Construído através de personagens bem desenvolvidos, pequenos e rápidos movimentos de câmera e com uma trilha incidental que acentuava o clima de tensão dos personagens, coerente com os momentos de definições por eles vividos, a fita chegou a ser chamada por alguns de Magnólia italiano.

O filme me chamou a atenção para o seu jovem cineasta, Gabrielle Muccino, que àquela altura do campeonato, já realizara outra obra, inédita nos cinemas brasileiros e que recebeu o título em DVD de No Limites das Emoções. Novamente ali estavam presentes a mesma sensibilidade no tratamento de outros temas importantes como a estabilidade familiar, a fidelidade conjugal e a difícil passagem pela adolescência. 

Não demorou muito para que o nome de Muccino ecoasse nos EUA. De um lado, foi escolhido pessoalmente por Will Smith para dirigir seu último trabalho, o sucesso de bilheteria À Procura da Felicidade. De outro, o roteiro de seu O Último Beijo foi refilmado nos EUA, com um elenco de prestígio e um orçamento razoavelmente generoso. Lançado por lá no final do ano passado, recebeu críticas positivas dos principais veículos especializados. O resultado, agora, chega ao Brasil, com o título de Um Beijo a Mais. Impossível não evitar as comparações e uma certa decepção.

Em Um Beijo a Mais, Michael (Zach Braff) é um arquiteto que, apesar de jovem, é bem sucedido na profissão. Ele está prestes a completar 30 anos. Namora há algum tempo a bela Jenna (Jacinda Barrett). De acordo com o seu projeto de vida, Michael tem certeza que ela é a garota certa para levar uma vida a dois. Bonita, inteligente e de boa família. Tudo conforme manda o figurino. Esta mera expectativa se torna uma certeza com a notícia que Jenna está grávida. A notícia cai com uma bomba para Michael. Apesar de o matrimônio ser uma etapa natural de sua vida, ele se sente de certa forma incomodado com a novidade, como se a colocação em prática de todos aqueles planos, tivesse algo de, digamos, definitivo demais.

Essas dúvidas se intensificam ainda mais quando, no casamento de um amigo, ele conhece Kim (Rachel Bilson), uma adolescente de 18 anos. Kim surpreende Michael com sua personalidade despojada e uma inesperada maturidade. A tentação de um novo romance coloca em xeque o futuro da estabilidade do seu relacionamento com Jenna.

Paralelamente, o filme contêm duas sub-tramas: a primeira relacionada aos dilemas vividos pelos amigos de Michael. São eles, Izzy (Michael Weston), preso há dois anos a um romance já definitivamente encerrado; Kenny (Eric Christian Olsen), o bonitão cujo lema é o sexo selvagem desde que sem envolvimento; e Chris (Casey Affleck), o mais sensível do três, que se vê preso a um casamento e à neurose da esposa (que é bem mais evidente na versão européia). A segunda, volta-se aos pais de Jenna, a dona de casa Anna (Blythe Danner) e o terapeuta Stephen (Tom Wilkinson), estes também vivendo uma crise conjugal.

Talvez a grande falha de Um Beijo a Mais esteja na abordagem do tema principal. O rito de passagem da adolescência para a fase adulta implica em assumir posturas diante da vida. Tomar decisões. Ter a consciência que escolhas implicam em perdas e ganhos simultâneos. Pais falham ao não habituar seus filhos a, desde cedo, andar com as próprias pernas, de modo que eles amadureçam da forma menos dolorosa possível. Filhos foram feitos para o mundo e nem sempre os pais estão prontos para enfrentar este fato.

Estes conflitos eram muito bem colocados na versão italiana da história. O protagonista transparecia uma amargura interior e uma dificuldade quase que intransponível de ultrapassar a barreira divisória das duas fases da vida. Suas angústias eram divididas com os amigos, todos eles passando por problemas semelhantes. Nós passávamos a ser cúmplices dos seus dramas e a torcer para que eles fossem resolvidos da melhor maneira possível. 

Na refilmagem, as agruras de Michael deixam de ter um motivo mais palpável. A única razão seria que sua vida estaria muito próxima da realidade que ele programara quando criança. A falta de surpresas e de aventuras, ou, em outras palavras, de não ter vivido a adolescência em sua plenitude, faria com que ele se recusasse a assumir compromissos mais sérios. Ao contrário de O Último Beijo, o protagonista americano, nesta busca por um mundo repleto de fantasias, parece mais próximo de regressar à infância do que de dar um passo avante, em direção à maturidade. Esta opção do roteiro torna o personagem (que já é um adolescente que receia em crescer), excessivamente infantilizado e medroso, o que afasta o interesse dos espectadores dos seus dramas pessoais.

Como se disse, escolhas implicam em renúncias e conquistas. Este tema central de O Último Beijo se dilui em Um Beijo a Mais. Na versão italiana, o protagonista faz a sua opção. Sabe que ela importa na perda de uma série de outras vantagens e regalias que a vida lhe apresenta. Mas ele assume as responsabilidades que advém destas decisões. No final das contas, vê-se satisfeito com o que ganhou e não arrependido com o que deixou para trás. A constatação do personagem principal celebra o nascimento de um novo homem, adulto, maduro e pronto para iniciar uma nova etapa da sua vida a partir de um novo núcleo familiar. 

Já na refilmagem, a essência se perdeu e o foco migrou para outros modelos mais adaptados ao american way of life, como a perseverança, a determinação, a luta pelos próprios sonhos etc. Sem querer revelar nada que estrague a surpresa do espectador, as seqüências finais, por exemplo, com Michael sentado durante dias a fio, nas escadas da casa de Jenna, não confirmam a evolução do personagem como pessoa, muito menos que ele esteja convicto diante das suas escolhas.

Zach Braff constrói um Michael lacônico, reflexivo e de poucas palavras. Sua passividade me incomoda um pouco. Só mesmo ao final, quando ele se vê num emaranhado de problemas, sentimos uma reação de sua parte. Em mais de um sentido, ele é uma espécie de alma gêmea de Andrew, seu personagem em Hora de Voltar, filme que ele mesmo dirigiu, roteirizou e estrelou. Na verdade, a todo instante era este filme que mais me vinha à mente do que a versão italiana. Pode ser que esta aproximação tenha sido intencional, uma decisão dos executivos do estúdio com o objetivo de conquistar o público fiel àquele filme (verdadeiro cult nos EUA). Consciente ou não, o fato é que talvez resida aí minha sensação do porque Um Beijo a Mais tenha deixado escapar a essência da obra original, preferindo adotar um tom excessivamente melancólico, muito próximo daquele existente em A Hora de Voltar. 

O restante do elenco está bem, em especial Jacinda Barret, que já deu as caras nos fracos Bridget Jones: No Limite da Razão e Poseidon. Sua Jenna não deixa transparecer qualquer dúvida quanto à decisão de se casar. No entanto, por dentro, possui os mesmos medos que Michael. Mais forte como ser humano, ela interioriza estas incertezas porque em seu íntimo sabe que a opção pela vida a dois é a melhor para si e para seu parceiro. Da transposição americana, é a única personagem que consegue rivalizar com a sua paralela italiana (e olha que na versão original, a responsável pelo papel era a belíssima e talentosa Giovanna Mezziogiorno).

Os outros dois personagens que ganham algum destaque são os pais de Jenna. Ainda que Blythe Danner (mãe de Gwyneth Paltrow na vida real) e Tom Wilkilson defendam com dignidade seus papéis, o roteiro se descuida de aprofundá-los de uma forma mais adequada. Na versão italiana, sentimos que a personagem da mãe, interpretada por Stefania Sandrelli, está sufocada por um casamento que há muito caiu na rotina. Ela percebe que o marido, como terapeuta, é capaz de resolver os problemas pessoais dos outros, enquanto que, dentro do próprio lar, sua passividade a irrita profundamente. Sua conversa com um amante do passado, interpretado por Sérgio Castellitto, é mais do que tocante, um dos melhores momentos do filme. 

Na adaptação americana é tudo feito meio às pressas, o roteiro se precipita em mostrar a insatisfação de Anna com o marido, quando este ainda sequer foi devidamente apresentado na trama. Além do mais, a mesma conversa entre Anna e seu amante (aqui interpretado pelo diretor Harold Ramis) é feita de passagem, sem qualquer paixão, nas alamedas da faculdade em que ele leciona.

Apesar de todos estes pontos negativos, o filme acerta em algumas situações. O roteirista Paul Haggis consegue criar bons diálogos, como aquele em que, após constatada a infidelidade do genro, Stephen lhe diz que a única coisa que importa na vida não é o que sentimos mas o que fazemos. Em outro momento, o mesmo Stephen se emociona ao saber que sua filha está esperando uma menina.

No geral, refilmagens de obras de outros países não são uma boa idéia. A regra, claro, comporta exceções (vide o exemplo de Os Infiltrados, vencedor do Oscar de 2006). No caso de Um Beijo a Mais, creio que o problema não está tanto na decisão de se refazer uma história já contada ou na adaptação das características italianas para o universo americano. Um Beijo a Mais falha ao não ter captado a real essência do filme no qual se inspirou.

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