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Beijo Roubado, Um

(My Blueberry Nights, 2007)
6,8
Média
254 votos
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Sua nota

Críticas

Cineplayers

Wong Kar Wai leva suas cores e sua sensibilidade para a América, e nem todos aprovam.

6,0

Com a incrível habilidade de descrever as delicadezas do amor à moda chinesa, em filmes coloridos e apaixonantes como 2046, Eros e Amor à Flor da Pele, Wong Kar Wai experimenta transpor esse olhar à sociedade norte-americana, trazendo para a tela uma história de amor condizente com a nação fast-food, aonde geralmente as tortas de blueberry chegam quase intactas ao final do expediente de uma lanchonete.

Na minha cabeça as coisas fizeram sentido e o diretor manteve-se fiel em fazer da relação entre Jeremy (Jude Law) e Elizabeth (Norah Jones) algo não-explícito, usando o encontro impensável e a longa separação como período de maturação, não só para algo que começou com um beijo roubado como para um amadurecimento dos dois personagens, para que enfim eles estivessem prontos para tentar novamente.

Não saberia dizer agora se apostar em alguns clichês do cinema norte-americano, como o bar, a road trip, o papel de garçonete, os chapéus de cowboy e o poker foram ingenuidade ou a sincera tentativa de se inserir no contexto do que seria – para Wong Kar Wai - a raiz de uma sensibilidade estado-unidense. De qualquer forma, essas questões devem ter contribuído para o pouco entusiasmo da crítica com relação a Um Beijo Roubado, já que se esperava uma nova narrativa de relacionamentos interrompidos, ausências e dores de amor, recheadas pelo sofrimento contido e o silêncio dos chineses. Acontece que por mais que se negue isso, as manifestações amorosas também são perpassadas por questões sociais, sendo variáveis de acordo com cada código, cada way-of-life. E Kar Wai esforçou-se para se aproximar desses códigos, que são diferentes dos seus, mantendo ainda a sua assinatura da narrativa.

Ele propôs a Norah Jones o inesperado: atuar. Segundo algumas declarações da cantora foi muito espantoso receber o convite, já que ela nunca tinha manifestado interesse em estar diante das câmeras e não conhecia o cinema de Kar Wai. Pelo menos não até ali. E depois de assistir ao resultado final de sua atuação, pode-se dizer que ele tenha conseguido extrair o que ela tinha de melhor.

No filme, Elizabeth conhece Jeremy quando vai até a lanchonete dele à procura do namorado, que é assíduo freqüentador do lugar. Ao confirmar que vem sendo traída, decide deixar as chaves do apartamento do namorado para que Jeremy entregue a ele. No entanto, noite após noite ela aparece na Klyuch - que significa "chaves" em russo -, a lanchonete, para saber se ele pegou suas chaves ou não. Assim é que ela e Jeremy criam sua relação, ao trocarem confidências sobre amores perdidos, chaves esquecidas e portas que não se abrirão mais. Confidências essas sempre regadas à torta de blueberry, aquela cujo sabor não agrada a muitos, numa alusão à solidão de ambos.

Depois de uma exaustiva noite na lanchonete, Elizabeth parte numa longa viagem. E Jeremy permanece, recebendo postais dela. Aqui a narrativa se desdobra em histórias menores e até esquecemos o mote inicial, já que os coadjuvantes trazem tanta força para a história, que nem nós muito menos Elizabeth, temos tempo para lembrar de Jeremy. Trabalhando como garçonete nas cidades por onde passa, ela vai entrando em contato com outras histórias e outras dores, como a de Arnie (David Strathairn) e Sue Lynne (Rachel Weisz) que é tão forte quanto bonita, porém de um sofrimento incompreensível para ambos. Num outro momento Elizabeth embarca no jogo de Leslie, numa confiante interpretação de Natalie Portman, que vem se firmando a cada novo papel. Assim as duas percorrem um longo trecho juntas até a inevitável e bonita separação.

A melhor metáfora para definir os momentos e histórias que a protagonista vive durante sua viagem pode ser resumida à descoberta da transitoriedade de tudo, inclusive necessidades e sofrimentos. Assim é que Elizabeth pode voltar para enfrentar o que deixou para trás.

Um filme considerado menor dentro do conjunto da obra do cineasta chinês também é aquele que trás uma complexidade menor em sua trama. Fotografado por Darius Khondji e utilizando o formato Cinemascope, que apesar de obsoleto, contribui e muito para o clima e as cores do filme, e em algumas cenas proporcionando a sensação de estarmos envoltos por nuvens coloridas de imagens, quase onírico.

Na trilha sonora de Ry Cooder (Paris, Texas e Buena Vista Social Club), além de Norah Jones, Amos Lee, Gustavo Santaolalla temos também Cat Power, que faz uma ponta no filme como a russa que deixou as primeiras chaves com Jeremy. Um belo filme que tenta traduzir para o inglês a sensibilidade de Wong Kar Wai e que não sei bem se por uma incompatibilidade de olhares ou se pela falta de maturidade própria da transição foi considerado ruim por muitos...

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