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Críticas

Cineplayers

Uma animação diferente, com bastante conteúdo crítico e uma estética diferente do padrão.

8,0

Um filme diferente. Esta seria uma boa definição para As Bicicletas de Belleville, embora a película não se resuma só a isso. Trata-se, na verdade, de uma animação completamente inusitada, original e criativa, com claras tendências para o bizarro e o absurdo.

Madame Souza é uma velhinha portuguesa cujas ânsias estão dirigidas única e exclusivamente a seu neto, a princípio um garoto rechonchudo e melancólico. Primeiramente, ela lhe compra um cachorro, que acaba por preencher o vazio na vida do menino - o animal, porém, é logo esquecido, sendo substituído por uma bicicleta. A partir de então, o rapaz cresce e torna-se aficionado por ciclismo, uma paixão amplamente apoiada - e estimulada - por Madame Souza. Quando surgem notícias de que haverá um campeonato de ciclismo, o jovem não pensa duas vezes: logo começa a se preparar. Porém, é lá, no circuito tão esperado, que a confusão tem início.

No que se refere à expressão artística da animação, observa-se algo muito diferente do comum, principalmente em relação àquilo que vem das grandes produtoras. O traço de Bicicletas de Belleville é propositalmente bizarro e nem sempre aprazível aos olhos, embora a estética acabe harmoniosa. Pode haver um estranhamento inicial por parte dos espectadores, o qual, infelizmente, pode se prolongar até o término da projeção - mas os olhos mais soltos do convencional vão acabar se adaptando. Existe, na verdade, uma química perfeita entre os elementos que compõem a animação, o que pode ser bem recebido apenas por pessoas abertas ao diferente. Localizam-se ainda alguns efeitos computadorizados, mas nada que tenda ao abuso: trata-se de efeitos bem usados e encaixados com precisão no formato visual da composição.

O que faz de Bicicletas de Belleville um filme atípico não é só a originalidade de seu traço, mas também a via de comunicação que se estabelece entre a animação e o espectador. O filme quase não tem falas. Atualmente, a linguagem oral tem sido amplamente usada em produtos culturais, uma situação que gera aversões caso contrariada - e Sylvain Chomet merece todo respeito por conseguir dirigir com maestria sua película desprovida de diálogos, conduzindo os eventos de tal modo que as vontades e os conflitos das personagens tornam-se muito claros aos olhos de quem lhes assiste. Provas disso são as características distintas de cada uma, que conferem à obra um tom divertido e rico em suas diversidades.

Vale ressaltar a quantidade generosa de informações visuais e escritas que pululam nos cenários - é aí que toda atenção é pouca, uma vez que o canal estabelecido entre espectador e filme pode perder força com o descarte de algumas dessas informações. Por exemplo, a Belleville do título é uma cidade francesa, mas, no filme, ela satiriza Nova Iorque. Ela é apresentada como um centro urbano caótico em que o trânsito resume-se a uma balbúrdia espalhafatosa e em que a população, total e exageradamente obesa (até a Estátua da Liberdade é gorda e segura um sorvete), perde-se em meio a prédios extremamente altos. É aí que entra a crítica de Chomet à sociedade consumista, uma organização atrapalhada com os próprios exageros. Quando se adentra o aspecto das mensagens embutidas no próprio desenho, conclui-se que a animação deve ser vista mais de uma vez, para que as informações nas entrelinhas sejam corretamente descobertas e entendidas.

Bicicletas de Belleville foge do convencionalismo também por estar inserido em um outro conceito de animação. O desenho animado que Sylvain Chomet nos sugere é diferente, cheio de significados por detrás de um traço único e original, transmitindo sua mensagem através de uma linguagem exclusivamente visual. Enfim, algo completamente descondizente com outros desenhos que se vêem por aí, de um aspecto reciclável e puramente comercial.

É claro, As Bicicletas de Belleville ainda é capaz de agradar àqueles que procuram apenas um momento de diversão. As boas gargalhadas são inevitáveis e quase incessantes, uma vez que o filme aborda situações absurdas, tornando-as engraçadas através da quebra de expectativa (recurso usado com freqüência, vale lembrar) e inserindo-as em contextos implausíveis. Seguem-se a isso algumas piadas inteligentes e pitadas de humor cru, tornando divertidas cenas teoricamente trágicas e violentas.

Seria bom ressaltar que não se trata de um filme para crianças: a ausência de diálogos e de piadas simples não o torna agradável para mentes pouco amadurecidas, e a presença de violência - mesmo que satirizada - não o recomenda para uma baixa faixa etária. Mesmo assim, em uma época tomada por idéias recicláveis e voltada exclusivamente para o comércio, um conceito original é totalmente bem-vindo.

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