Saltar para o conteúdo

Críticas

Cineplayers

Tempos sobrepostos

7,0
Quando Amanda (Sarah Paulson) e Jim (Mark Duplass) se reencontram após mais de vinte anos, por acaso, em um supermercado da cidade natal deles, algo de muito embaraçoso e, de alguma forma, também mágico acontece. Depois de um momento de estranheza e incredulidade, os dois decidem tomar um café e ao longo de um extenso dia o passado de ambos começa a vir à tona. A iniciativa desse filme independente, que foi lançado direto para a Netflix nesse mês, é pequena e singela, um cruzamento de uma história de amor interrompida com uma brincadeira de vários tempos se encontrando. Já dizia Woody Allen que só um amor incompleto pode ser romântico, e por isso a história de Amanda e Jim pode ser considerada uma das mais românticas dos últimos anos.  
No momento desse encontro inesperado, Blue Jay suspende o tempo e converge o passado e o futuro. Trata-se de um filme sobre aquelas passagens estranhas e raras da vida em que uma situação coloca frente a frente o passado e o futuro e, de alguma forma, os permite coexistir simultaneamente. É como uma fenda que se abre por apenas um dia e libera passagem para que os jovens apaixonados do colegial se encontrem mais de vinte anos depois, separados e confusos com os rumos que tomaram. Ao longo desse dia mágico e esquisito, Amanda e Jay não apenas relembram e discutem os passado e o presente, como também encenam e brincam com os sonhos que tanto sonharam, mas que nunca se concretizaram, de forma que Blue Jay acaba se revelando cedo ou tarde como um filme misto de tempos passados, futuros, existentes e hipotéticos – tudo num mesmo plano, uma amálgama de pretéritos imperfeitos, perfeitos, mais que perfeitos, futuros do presente e futuros do pretérito. 

Por trás de tantas expectativas frustradas, sonhos que nunca se realizaram e pendências passadas jamais resolvidas, fica difícil encontrar naquele casal algum resquício de tempo presente, algo concreto o suficiente para ser encarado como um fato. Aos poucos, fica evidente que a relação dos dois é tão íntima que só em olhares e gestos eles se entendem, de modo que nós como expectadores ficamos dependentes de migalhas ou dicas aleatórias deixadas pelo roteiro para conseguir imaginar mais ou menos um quadro dessa relação. A sutileza do roteiro e o entrosamento natural do casal são pontos essenciais para essa fórmula dar certo e para que o filme mantenha esse malabarismo de tempos, datas, fatos e sonhos, desnudando aos poucos cada mistério, cada sorriso confuso, cada olhar furtivo, cada risada sobre alguma memória que não sabemos ao certo qual é.  

As ideias são todas muito boas e Sarah Paulson é uma atriz extraordinária, capaz de oferecer traços e nuances muito próprios e construir uma personagem ao mesmo tempo enigmática e carismática. Infelizmente, o ator Mark Duplass não consegue acompanhar o ritmo da companheira de cena e em vários momentos-chave simplesmente não dá conta da carga dramática do personagem, o que gera um inevitável desequilíbrio, por mais que haja muita química entre os dois. O roteiro, também de Duplass, escorrega vez ou outra, em especial na reta final, soando muito expositivo e sem o timing necessário para soltar revelações importantes, o que prejudica bastante o clímax do filme. No geral, acaba pretensioso demais, tentando ser muito maior ou mais reflexivo do que realmente é, o que é uma pena após um início tão promissor e tocante. 

Em Blue Jay, a vida toda cabe num dia, todo o passado, o presente e o futuro são assimilados pelo cinema e condensados numa conclusão tristonha, agridoce, sobre os efeitos do tempo sobre a vida. Revela um tempo que pode ser tanto cruel quanto sábio, tanto amortecedor quanto pungente, mas também, de alguma forma, mágico. Uma faísca de mágica nasce desse reencontro tão súbito, uma chama renasce e todo um passado até então abandonado se revela mais presente do que nunca. Mas no fim das contas, o mundo retorna ao seu andamento normal e o tempo se revela novamente impiedoso, e toda aquela nostálgica fotografia em preto e branco talvez indique que tudo não passa de uma memória passada e já enterrada por esse mesmo tempo.

Comentários (2)

Marllon Breno Lima | sábado, 17 de Dezembro de 2016 - 18:40

Uma premissa parecida com a de Antes do pôr-do-sol. Interessante. Vou ver !

Faça login para comentar.