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Críticas

Cineplayers

Bastante conhecido, mas um filme menor, talvez pelo material original ultrapassado.

6,5

Na admirável carreira do diretor austríaco Otto Preminger, como em todas as carreiras, há altos (Laura [idem, 1944], O Rio das Almas Perdidas [River of No Return, 1954], Anatomia de um Crime [Anatomy of a Murder, 1959]) e baixos. Nesse segundo caso está esse Bonjour, Tristesse, bobagem superficial e falsa com Deborah Kerr no papel de uma rica e sofisticada designer de moda que resolve se casar com um bon vivant (David Niven, erro grave de casting, um galã grotesco) e tenta domar a filha deste, a fútil Cécile (Jean Seberg, lindíssima), fazendo-a estudar e largar a vida boêmia. A menina vai se juntar com a antiga namorada do pai para mandar a nova noiva para o espaço.

Preminger manteve os elementos todos funcionando a maior parte do tempo, com bela fotografia e lindos figuros, diálogos precisos e de alguma qualidade, os atores interpretando se não bem, mas pelo menos com dignidade. Sua elegância, a classe que foi sua marca, a inteligência, estão todos lá, mas infelizmente nem toda a finesse de Preminger foi capaz de fazer o filme decolar. O motivo: pode ser heresia tocar no assunto, mas é o original, o livro de Françoise Sagan, uma tolice que fez um sucesso fenomenal não só na França, mas em toda a Europa e também nos EUA.

Na verdade, o correto seria que o livro foi na verdade emblemático para a época. Publicado em 1954, Bonjour, Tristesse foi escrito quando Sagan tinha quase a mesma idade da protagonista, 18 anos. O tema era mesmo o tédio. Foi um sucesso instantâneo (850 mil cópias em um ano). Daí em diante, pulou de um best-seller a outro, vendendo bastante, aperfeiçoando sua mistura de leveza e vida mundana nos seus escritos. Atuou como uma proto-feminista da riqueza econômica da época do pós-guerra, de vida sexual liberada, servindo de modelo do que seria um traço cultural que não morreu até hoje: a eterna adolescência.

Sua vida regrada a drogas, os inúmeros escândalos, um acidente que quase lhe custou a vida e o casamento com um americano bem mais velho que ela ajudaram a encher as páginas de jornais e revistas de fofoca e, claro, impulsionar as vendas. Seu cinismo, seus amigos intelectuais, seu comportamento libidinoso e provocador sempre foram sinônimo de “liberação”, fato que a ajudou a conquistar boa parte do público, mas nunca a crítica. Até hoje, Françoise Sagan é um ícone da cultura francesa, apesar da frouxidão criativa da maioria de suas obras.

Preminger adaptou o livro em 1958, logo após o sucesso editorial do livro nos EUA. A crítica desceu-lhe o malho com força, mas o filme foi um sucesso. Trazia Deborah Kerr no auge da carreira. Ela já havia dançado a valsa em O Rei e Eu (The King and I, 1956), já tinha dado o beijaço em Burt Lancaster em À um Passo da Eternidade (From Here to Eternity, 1953) e já tinha deixado Cary Grant esperando por ela no Empire State Building em Tarde Demais para Esquecer (An Affair to Remember, 1957) – foi indicada ao Oscar pelos dois primeiros.

O filme lançou definitivamente a carreira de Jean Seberg. Escolhida por Preminger para ser a protagonista de Santa Joana, adaptação de uma das mais famosas peças do escritor britânico George Bernard Shaw, foi Preminger que a escalou com absoluta correção para ser a Cécile de Bonjour, Tristesse, papel que ela encarnou com perfeição e é a melhor (talvez a única) coisa boa do filme. Seberg vai acabar se casando com um advogado francês, mudando-se para a França e estrelando o primeiro filme de Jean-Luc Godard, Acossado (À Bout de Souffle, 1960) – fará dois outros com Claude Chabrol.

Preminger, requintado homem de teatro, dividia seu tempo entre a Broadway e Hollywood até o sucesso de Laura (1944), que o alçou à categoria de diretor dos grandes estúdios. Colocou toda sua erudição e bom gosto a serviço do cinema comercial, adaptando uma série de romances popularescos para as telas, além de musicais e filmes noir – nesse gênero, faria, além de Laura, outro filme espetacular, Passos na Noite (Where the Sidewalk Ends, 1950), com Dana Andrews e a bela Gene Tierney.

Podemos dizer que Bonjour, Tristesse chegou da melhor maneira que era possível nas telas. Há um certo frescor no filme, a tensão entre Jean Seberg e Deborah Kerr funciona, mas há clichês por todos os lados (um latino, Pablo, mais estereotipado que o Zé Carioca, aparece a horas tantas e a cena é de amargar), as personagens secundárias são chavões ambulantes e a personagem de Kerr, Anne, quando se torna mãe adotiva, escorrega feio.

Mas a ambiguidade que perpassa o filme, seu belo uso do Technicolor e do preto-e-branco, a abertura de Saul Bass e o sorriso cativante de Jean Seberg garantem a diversão. Preminger não optou pelo óbvio e não transformou Anne / Deborah Kerr em uma vilã típica, propiciando uma identificação mais imediata do público. Ao contrário, o filme, ambivalente, vagueia entre as duas. É a mão do mestre: nesses momentos, nem que seja por poucos minutos, podemos ver o verdadeiro Preminger.

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