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Críticas

Cineplayers

Thriller psicológico retrata superficialmente, mas com charme, duas figuras emblemáticas do tennis.

8,0
Borg McEnroe (idem, 2017) promete ser uma investigação sobre o que se passou na final do torneio de Wimbledon em 1980, quando, tentando o quinto título consecutivo, o sueco Björn Borg, número 1 mundial, enfrentou a então nova sensação do circuito, o insuportável, arrogante e grosseiro John Patrick McEnroe, o número 2 – pelas regras do tennis, os dois jogadores de maior ranking só se encontram na final.

Apesar de ter sido produzido pela Svensk Filmindustri, a estatal sueca onde Ingmar Bergman fez a maior parte de suas obras máximas, o filme do também sueco Janus Metz está bem longe da densidade intelectual de Bergman: é na verdade um amontoado de clichês sobre a mitologia envolvendo a final, considerada uma das mais emblemáticas do esporte, com música tocando o tempo todo, bem alta. Como é muito bem filmado e com reconstituição de época impressionante, o filme no entanto funciona como divertimento, apesar da sensação de ter deixado o mais interessante de lado para ficar no apelativo e mais fácil.

Björn Borg e McEnroe deram início a uma das mais famosas rivalidades da história do tennis, e o filme mostra como ela se formou. Vendo-se essa produção sueca, baseada em um tenista sueco, “o atormentado” Borg consagra-se indiscutivelmente depois dessa vitória, mas não foi assim. Ao contrário. No torneio seguinte, o US Open, do mesmo ano, a final foi novamente Borg X McEnroe e foi o americano quem venceu. No ano seguinte, McEnroe finalmente destronou Borg, roubando-se o título de Wimbledon e o número 1. 

Born perderia o US Open novamente na final para McEnroe. Depois das três derrotas consecutivas em finais para McEnroe, Borg decide se aposentar, com apenas 26 anos. Insinua-se no filme que Borg só jogava porque sabendo que iria ganhar: não admitia derrotas, não conseguia lidar com elas. A presença de um rival na mesma altura levou Borg e desistir de tudo e largar a carreira. Por quê? Não é vendo esse filme que vamos ficar sabendo, mas ele dá algumas pistas.

No mais, o filme segue tudo o que se escreveu sobre a final. Eram dois estilos muito diferentes: o gentleman contra “a criança mimada” (spoiled brat), um jogador de fundo de quadra contra um agressivo voleador (que sobe à rede com frequência para terminar o ponto, atacando continuamente) e, para quem joga tennis como eu, Borg com sua imaculada, idolatrada, extraordinária esquerda (backhand) de duas mãos contra a então tradicional esquerda de uma mão só de McEnroe.

É no mínimo interessante ver dois atores tentando emular na tela o estilo de jogo de tenistas tão particulares como os retratados. Shia LeBeouf faz o enfant terrible em quase todas as cenas, cuspindo, xingando a famosa diatribe do McEnroe “You cannot be serious”, ajeitando a cabeleira. Para muitos, é ele interpretando a si mesmo, já que cultiva uma bem-cuidada fama de outsider. É cansativo e pouco esclarecedor, pois McEnroe é um dos piores misóginos do circuito, detestado pelos outros jogadores e até hoje mais lembrado pelas “polêmicas” que solta como comentarista da ESPN do que pelos feitos como atleta.

O sueco Sverrir Gudnason se dá melhor pelo simples motivo de que ele é muito parecido com Borg. Incrível, parece estarmos diante do próprio (mais: o filho do Borg interpretou o pai quando adolescente). Ice-Borg, o robô, 'a muralha', o jogador que não demostrava emoções, que nunca dava declarações bombásticas, o primeiro sex-symbol da história do esporte e a primeira celebridade – no sentido de ter milhões de adolescentes correndo atrás –, o Borg de Gudnason ficou bem crível na tela, também porque pouco se conhece de Borg fora das quadras. A superexposição de McEnroe tornou as coisas mais difíceis para LaBeouf.

Nenhum dos atores havia jogado tennis antes e treinaram por seis meses para desenvolver a técnica. Como a final está disponível no Youtube, pode-se se conferir a exatidão dos lances: alguns estão realmente bastante próximos.

Como fã de tennis, alguns pontos. Primeiro, a decepção de não terem filmado em Wimbledon (o filme foi feito em Praga). A majestosa arena central do torneio e seu gramado imaculado são conhecidos demais pelos fãs e desde as primeiras cenas dá para ver que não é o mesmo lugar. Os diretores de arte até tentaram recriar a Centre Court com ajuda da computação gráfica, mas Wimbledon é Wimbledon. Acho que em nenhum esporte os fãs são tão apegados às sedes dos torneios como acontece no tennis.

O ponto positivo: as cenas nos vestiários, lá onde as câmeras de TV não entram. Pela tradição de Wimbledon, todos os tenistas usam o mesmo vestiário (para os 32 mais bem ranqueados, tem nome escrito na porta). Nem mesmo as equipes técnicas e familiares têm acesso a eles. Na final, só os dois finalistas estão lá e as cenas de uma intimidade forçada são obrigatórias. Também pela tradição, os tenistas entram em quadra juntos, tendo de esperar longuíssimos minutos pacientemente sentados um do lado do outro, e saem dela juntos depois da premiação, de volta ao famigerado vestiário: é um esporte de gente educada e civilizada, não há lugar para rompantes e grosserias, pelo menos na aparência.

Pois bem, é lá que Jimmy Connors e McEnroe, então amigos, vão se desentender e dar início a outra rivalidade histórica (até porque Borg, como foi dito, vai se aposentar logo depois). É no vestiário que McEnroe se sente menos a vontade e causa ainda mais confusão. Nos vestiários antes dos jogos, quando os tenistas talvez se sentem mais solitários, eles são obrigados a compartilhar esses angustiantes momentos com seus inimigos. Não à toa, Borg e McEnroe vão terminar amigos. Vão trocar gestos fraternais no aeroporto, Borg vai ser padrinho de casamento de McEnroe. Afinal, um sabe o que o outro está passando. Em vez das provocações infantis dos demais esportes, no tennis tem isso: há um enorme sentido de decoro, tradição de 200 anos que não pode ser quebrada. Ver isso captado no cinema é um afago aos fãs de tennis, pois a lei máxima está preservada: rivais sim, mas só nas quadras. 

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