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Críticas

Cineplayers

Tão diferente quanto genérico.

4,0
Destacado na indústria por escrever o roteiro de Dia de Treinamento, obra que faturou o prêmio de Melhor Ator para Denzel Washington, e no ano seguinte escrever o primeiro filme da franquia Velozes e Furiosos, David Ayer dirigiu alguns destaques do blockbuster policial como Os Reis da Rua e Marcados Para Morrer, e conheceu no segundo semestre de 2016 o paraíso da alta bilheteria e o inferno das críticas negativas com a adaptação de Esquadrão Suicida. Um ano depois do controverso filme, é a vez da fantasia Bright, onde repete a parceria com Will Smith (MIB - Homens de Preto) dirigindo roteiro de Max Landis (Victor Frankenstein).

Em um mundo onde humanos vivem em meio a raças fantásticas e magia, o policial Daryl Ward vive dias complicados após ser designado para trabalhar com o parceiro Nick Jakoby, o primeiro Orc a ingressar na polícia. Em meio a uma rotina estressante - Ward recebeu um tiro de um assaltante orc e Jakoby é suspeito de deixar o criminoso escapar por causa do comportamento tribal da raça - a dupla atende o chamado mais perigoso até então. Elfos praticantes de magia negra estão perseguindo Tikka, uma elfa bright, capaz de manipular a energia mística de poderosas varinhas mágicas.

Reconhecido pelo background “das ruas” em sua obra - foi embora da casa dos pais ainda adolescente -, Ayer sabe inegavelmente retratar com certa naturalidade a ambientação das ruas; enquanto os créditos rolam, conhecemos mais daquele mundo através de grafites e pichações em paredes que combinam a estética urbana com a temática fantástica. Mas como foi o caso do filme anterior, o diretor sabe incensar premissas interessantes mas nem tanto entregar um filme satisfatório.

Ambientado o filme, Bright vira mais uma cópia dos filmes “buddy cop” a lá 48 Horas e Máquina Mortífera. E não uma cópia particularmente boa; os conflitos do gênero policial em sua maioria são bem mal explorados - questões pessoais como a família de Ward e sua situação financeira têm participação mínima na trama. Esposa e filha de Ward são personagens utilitários, sem questões próprias e servindo meramente como contexto. Nesse sentido, o racismo sofrido por Jakoby, odiado por humanos e pela própria raça, tem até maior funcionalidade na trama - mas não muita, é verdade.

O gênero fantástico também sofre com um universo que é esboçado, mas nunca desenvolvido. A todo momento nomes “cool” nos são apresentados, o departamento federal “Força Tarefa Mágica”, os cultistas “Escudo de Luz”, os elfos feiticeiros “Inferni”, o evento histórico “Guerra das Nove Raças”, mas o filme nunca esclarece seus limites, nunca fundamenta os nomes disparados a todo momento e, para dizer a verdade, surge muito mais como um MacGuffin, pois muito pouco da trama, além dos fatos centrais, têm influência mágica direta. Sobram socos, tiros, atropelamentos e perseguições em quantidades muito maiores que qualquer pretensão épica oferecida pela fantasia.

O roteiro de Max Landis é muito interessado em frases de efeito e diálogos espertos, mas também não tem muita paciência para o resto e pensar na estrutura narrativa de maneira orgânica, como uma composição fechada em si mesma. O cultista louco é interrogado em uma cena, profetiza eventos cataclísmicos e desaparece; o elfo policial federal esboça seu cuidado em interessar os Inferni, mas nunca temos muita certeza da razão real.

Ayer dirigindo faz a mesma coisa, com uma mão pesada de pós-produção que utiliza todos os recursos possíveis e imagináveis de maneira bem pouco articulada, mais pelo puro impacto do efeito em si. Seus flashbacks, com a voz em off descrevendo as ações dos personagens, são didáticos. Suas cenas de ação, confusas, inserindo técnicas de filmagem como o bullet time sem prévia utilização na trama ao som de trilha-sonora melancólica e contrastante. Não há estilo, mas crê-se que há um.

Enquanto alguns cineastas fazem colagens, Ayer faz remendos. E é isso que Bright é, um filme que tenta ser tudo mas sem real intimidade com nenhum dos gêneros que abraça. O gênero policial não é violento, ameaçador ou mesmo realista, lotado de figuras estereotipadas como policiais e oficiais corruptos, maquiavélicos e impressionados consigo mesmos mas também sem nenhuma questão a enfrentar, apenas atrapalhar o caminho do protagonista. Já o gênero fantástico não é muito fantástico, por assim dizer, com a maioria dos monstros apresentados não acrescentando novas dinâmicas, mas sim substituindo tensões típicas do policial clássico e a magia basicamente entrando para estar no lugar de armamento pesado.

Genérico até o fim, com pouco a oferecer além da atrativa ambientação, Bright é uma das produções mais caras da Netflix, mas mesmo assim não consegue se livrar da aparência de filme B com grife. Não os bons filmes que o cinturão da miséria do cinema norte-americano sempre produziu, mas os enlatados que calculadamente tentam suceder às custas de tendências. Conduzido por um diretor de mão pesada, de linguagem histérica afetada, e escrito por um roteirista sem a mínima vocação ou paciência para uma narrativa funcional que case dois gêneros quase opostos, Bright é muito esquisito em um primeiro momento - até o espectador perceber que trata-se do mesmo filme ruim assistido tantas outras vezes. Pode até ser melhor que Esquadrão Suicida - mas nem por isso chega ao menos perto de ser um bom filme.

Comentários (3)

Davi de Almeida Rezende | sexta-feira, 29 de Dezembro de 2017 - 00:57

O que mais me intriga é até supostos críticos levarem a sério qualquer produção da Netiflix que partem de um princípio ÓBVIO, EXPLÍCITO, de só fazerem porcarias comerciais. As ideias já são porcas e explicitamente para agradar o público de idiotas deles.

Abdias Terceiro | sexta-feira, 05 de Janeiro de 2018 - 12:17

Uma pena, gosto do Ayer em Tempos de violência e Reis da Rua.

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