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Críticas

Cineplayers

Entre livro e filme, duas versões sobre a história de um escritor que descobre a beleza de se reinventar em outra língua.

7,0

Talvez seja óbvio, ou talvez nem tanto, mas partindo de um romance escrito por Chico Buarque - cujo histórico de grandes composições o classificam como uma espécie de poeta contemporâneo - é de se supor que o ritmo de um filme baseado em uma criação sua acompanhe a cadência da poesia. E logo de cara esta é uma afirmação que se pode fazer a respeito de Budapeste.

E a narrativa se estrutura assim: Já chegamos à história quando José Costa (Leonardo Medeiros) fica preso em Budapeste devido a um contratempo no vôo que o levava de um congresso em Istambul de volta ao Rio de Janeiro. Assistindo televisão no hotel ou andando pelas ruas é que o escritor vai se apaixonando pela cidade e principalmente por seu idioma.

Acompanhando a conclusão de Costa e seu espanto em encontrar a cidade de Budapeste amarelada e não cinzenta como supunha, Lula Carvalho se apropria da questão para denotar através da fotografia a vivência do personagem entre sonho e realidade, dualidade que é própria da trama, na luta dos duplos que fica evidente a cada cena: Costa versus Kosta, Kriska (Gabriella Hámori) versus Wanda (Giovanna Antonelli), Budapeste versus Rio de Janeiro, húngaro versus português.

Num primeiro impacto não parece absurdo pensar que as melhores cenas do filme se passam na Hungria, mas depois de alguma reflexão é fácil encontrar a razão disto justamente num corte que pretende separar as duas esferas de ação, colocando Budapeste – a cidade – numa redoma de beleza, fantasia e mistério sendo estes os elementos que cativam e intrigam o protagonista nesse empreendimento de conhecer e domar o desconhecido assim como a ele mesmo.

Refugiando-se de sua vida sem poesia em lamentações que vai praguejando em húngaro, o escritor segue alimentando a tensão de rompimento com a rotina, o casamento e o filho na inversa proporção com que vai transformando em mito sua rápida passagem pela cidade de Budapeste. Já extenuado pela pressão de ser um ghost writer, essa expressão que pode ser traduzida ao pé da letra e explicada como alguém que é pago para transpor em palavras uma história, caso ou criação de outro sem, no entanto poder assiná-la, finalmente consome suas últimas energias quando Wanda, sua esposa, se apaixona pelo homem cujo livro de sucesso na verdade foi criado por Costa.

Desnorteado, o escritor foge para a Hungria em busca daquela aura fantástica que havia criado em sua cabeça sobre a vida e a língua húngaras, personificadas em Kriska, a professora com quem ele viveu um rápido relacionamento que parece ter sido marcante, talvez para ambos. Reconstruindo a vida de maneira nada glamorosa, Costa não se livra de seus demônios e perseguições ao mesmo tempo em que a perturbação o vai levando ao encontro do escritor que ele escondia dentro de si.

Não se irrite se você for um leitor apaixonado pelo romance do Chico e encontrar algumas alterações comparativas entre livro e filme – e aqui se justifica a menção a duas versões da mesma história no início do texto – ainda que estas mudanças tenham sido encaminhadas dentro do universo poético e com as benções do próprio autor, o que a garante que a história mantenha-se fiel ao original. Rita Buzzar, responsável pela produção e o roteiro de Budapeste, disse que devorou o livro em 5 horas, motivo pelo qual fez questão de transformá-lo em filme, ainda mais depois do trabalho na produção de Olga, cujo contraponto lhe pareceu também interessante - a transição entre uma história real e a de um personagem de natureza fictícia.

Na direção a surpresa da mão de Walter Carvalho, ao mesmo tempo em que é possível perceber a mão de Chico Buarque, de Leonardo Medeiros e de Lula Carvalho na sensibilidade do filme. Ao final a questão da metalinguagem é exacerbada na frase em que Costa diz: “Kriska mal sabe que vive o livro enquanto ele é escrito” e o diretor nos surpreende com a quebra da ficção, com a mostra de que o filme é uma construção.

Um aplauso para a atuação de Leonardo Medeiros, que mesmo afirmando não conseguir dominar o idioma em tão pouco tempo, mostrou segurança e vestiu-se muito bem de José Costa. Gabriella Hámori chama atenção pela dosagem de doçura e beleza num personagem que carrega a chama de vida que move o protagonista a tentar de novo. E três cenas merecem destaque: a estátua de Lênin atravessando o Danúbio; Costa ouvindo o eco de sua própria voz ao telefone, falando palavras aleatórias em português; e o inverso, quando o personagem sente saudade de Budapeste e ouve um grupo cantar Feijoada Completa em húngaro.

Apesar de algumas incoerências, justamente por aquilo que mais chama atenção que é a transposição da poética escrita para a tela, algumas atuações vacilantes e a produção brasileira sendo menos esmerada que a húngara, ainda assim vale a pena assistir Budapeste.

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