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Críticas

Cineplayers

Um musical ágil, divertido e cheio de energia, com alguns números excepcionais.

8,0

Dono da última cadeira entre a famosa lista de 100 maiores filmes americanos do American Film Institute, A Canção da Vitória é um tributo ao patriotismo norte-americano. Este, porém, consegue deixar de ser piegas e insuportável, podendo arrancar aplausos até mesmo dos maiores anti-americanos, desde que os mesmos sejam amantes do cinema. É um filme biográfico, retratando a vida de George Michael Cohan, que no início do século XX foi um dos maiores homens do teatro nos Estados Unidos, escrevendo, compondo, atuando, dançando e cantando. Enfim, um gênio que merece ser redescoberto pelas platéias atuais.

O responsável pela ótima interpretação de Cohan é o artista (para não dizer somente “ator”) James Cagney, um dançarino e sapateador exímio, do naipe de outros artistas como Gene Kelly. Cagney morreu em 1986, e quando filmou A Canção da Vitória estava com aproximadamente 42 anos. Falando um pouco mais do ator, ele ganhou o Oscar justamente por este papel, embora fosse famoso na época por alguns filmes de gângsters. Cagney possuía um estilo de atuar bastante vivo, estava sempre elétrico em cena, falando alto, claro e com boa vontade seus textos, e também sempre movimentando-se rapidamente. Uma de suas frases, certa vez, foi: “Nunca relaxe. Se você relaxar, a audiência relaxa”. Outros atores como Clint Eastwood e John Travolta têm, em Cagney, uma de suas principais influências na carreira.

O papel de Cohan combinava perfeitamente com o estilo do ator, tanto que foi o próprio Cohan que selecionou o mesmo como seu preferido para interpretar-lhe. Cohan foi uma personalidade e tanto, criando dezenas de musicais de qualidade (e algumas poucas bombas), sempre atuante e desenvolto. Na realidade, ele foi um moleque e um jovem arrogante: sabendo de seu enorme talento, herdado de seus pais, Cohan sempre criou problema com vários agentes, por ter seu ego nas alturas. De certa forma, ele podia: criou alguns musicais impressionantes, que são incrivelmente bem representados, principalmente na segunda metade de A Canção da Vitória. Considero um deles, em específico, “You’re a Grand Old Flag”, um dos maiores números musicais em um filme já lançado, possivelmente melhor ainda que “Cantando na Chuva” – a cena de Gene Kelly que justifica o título homônimo do seu filme. Letra e cenografia mais pró-americanos impossíveis, mas quem liga, sendo o número simplesmente magistral?

É importante ressaltar que o filme desvia em muitos momentos dos acontecimentos reais, tanto que levou Cohan a ironizar certa vez ao soltar a pergunta: “Foi um bom filme. Sobre quem foi?”. Na tela, Cohan é mostrado desde o seu nascimento, quando começou a acompanhar seus pais e irmã, também artistas (formando o grupo “The Four Cohans”), até seu auge, quando recebeu uma medalha de honra diretamente do presidente, por serviços à pátria. Suas músicas, particularmente “Over There” (também magistral e emocionante nas duas vezes em que aparece no filme), influenciaram e motivaram soldados nas duas grandes guerras mundiais.

O filme apenas não é perfeito, e ainda mais inesquecível, por ter sua primeira metade muito lenta. Como todo  - ou quase - filme autobiográfico que se preze, este também não deixa de ter seus momentos desinteressantes, além de parecer muito com outros sobre o mesmo tema. O vencedor do Oscar de 1936, Ziegfeld - O Criador de Estrelas, possui a mesma linha narrativa e o mesmo estilo, e também tinha o mesmo problema de A Canção da Vitória: cenas de bastidores e política arrastadas demais. Um musical que quer entrar para a história deveria ser vivo o tempo todo, embora este não possa ser considerado um musical puro – as cenas de shows são apenas um dos pontos da vida do artista mostrados, mesmo que seja o principal de todos os pontos, e também o melhor, disparado.

A Canção da Vitória, filme do mesmo diretor de Casablanca, Michael Curtiz, é um trabalho cheio de energia, interpretado por um ator cheio de energia a partir da vida de uma personalidade cheia de energia. Um filme belíssimo, divertido, ágil (sobretudo em sua metade final) e com alguns números musicais que certamente influenciaram muitos diretores nos anos posteriores. Por algum motivo obscuro este filme não é reconhecido nem 1/10 do que é reconhecido Cantando na Chuva, embora seja do mesmo nível artístico. George M. Cohan deve ser, então, redescoberto. Por isso, vá atrás do filme caso ainda não o tenha feito.

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