Saltar para o conteúdo

Críticas

Cineplayers

A soma de vários fatores positivos resulta em um filme elegante e sóbrio, algo que jamais poderíamos esperar em um trabalho feito sobre Truman Capote.

8,0

Há cerca de dois anos a indústria de cinema norte-americana foi pega de surpresa quando foram anunciados que dois projetos paralelos – e praticamente simultâneos – estariam sendo desenvolvidos sobre a vida do famoso escritor Truman Capote. Um teria a direção do quase novato Bennett Miller (muita gente desconhece que ele já tinha dirigido um documentário, The Cruise, que chegou inclusive a ganhar prêmios no Festival de Berlim); o outro seria dirigido por Douglas McGrath (famoso por seus filmes de época como Emma e O Herói da Família), que traria nomes famosos como Sandra Bullock, Gwyneth Paltrow, Sigourney Weaver e o novo 007, Daniel Craig, além de Toby Jones no papel principal.

O primeiro estreou antes e surpreendentemente recebeu várias indicações e prêmios – inclusive está concorrendo a cinco Oscar - o que fez com que o projeto rival, Infamous, que está pronto, fosse parar naturalmente no limbo. Esse tipo de ocorrência nos faz lembrar que às vezes Hollywood é tão... infame!

Toda essa desenvoltura do filme de Miller se deve basicamente a um nome: Philip Seymour Hoffman, que interpreta o personagem-título. A primeira vez que percebi esse notável ator foi quando ele engoliu em cena ninguém menos que Robert De Niro em Ninguém é Perfeito, no qual ele interpretava um travesti. Mal eu sabia que ele já tinha um currículo invejável de bons papéis nas costas, em filmes tão diferentes como Boogie Nights – Prazer Sem Limites, Felicidade e O Grande Lebowski. O sujeito, que hoje sabemos ser notável nas escolhas de projetos, ainda incluiu em seu currículo interpretações majestosas em filmes como Magnólia, Quase Famosos e o pouquíssimo conhecido Com Amor, Liza, no qual dá uma aula de atuação.

O leitor deve estar se perguntando o porquê de citar tantos filmes do ator (e eu afirmo: há muitos outros excelentes). Bom, toda essa retrospectiva é para apresentá-lo para quem ainda não tinha o percebido e, para quem já o conhecia, mostrar que o grande reconhecimento que chegou agora ele já merecia faz tempo. Afinal, reviver Truman Capote nas telas não era tarefa fácil. Homossexual, efeminado, de voz fina e arrastada, e de vestimentas atípicas poderiam facilmente deixar o ator que o interpretasse em uma arapuca, pois cair no estereótipo seria facílimo. Não é o caso de Hoffman (que também é produtor executivo do filme), que está tão à vontade no papel que seu desempenho não é menos que brilhante.

Nascido em uma família modesta e problemática em Nova Orleans dos anos 20 (e falecido em 1984), Capote teve seu primeiro emprego como copista dentro da revista ‘The New Yorker’. Lançou seus primeiros contos em revistas femininas, que acabaram por chamar a atenção dos críticos literários da época e que o rendeu um contrato para a publicação de seu primeiro romance, ‘Other Voices, Other Rooms’, praticamente uma autobiografia disfarçada. Despontou então para o sucesso, escrevendo romances, contos, peças e roteiros cinematográficos. Sua obra mais conhecida, Bonequinha de Luxo, tornou-se inesquecível nas mãos de Blake Edwards, com Audrey Hepburn no personagem principal – para desgosto de Truman, que preferia Marilyn Monroe.

Mas sua obra máxima veio a seguir, quando Capote leu sobre a chacina de quatro membros de uma família no interior do estado do Kansas e decidiu fazer uma matéria a respeito. A matéria virou livro, que demorou seis anos para ficar pronto e que acabou revolucionando a literatura. ‘A Sangue Frio’, título do livro, trazia uma inovadora técnica em que Truman se utilizava de técnicas artísticas e estrutura de romance em uma escrita não-ficcional. Surgia aí o jornalismo literário, o ápice da carreira do escritor e também seu último livro.

É no período da realização de ‘A Sangue Frio’ que o filme se foca. Roteirizado por Dan Futterman (amigo de Bennett Miller desde a adolescência e ator em filmes medíocres como Nunca Mais e The Birdcage – A Gaiola das Loucas) a partir da biografia de Capote escrita por Gerald Clarke, tem como ponto de partida o súbito interesse de Capote sobre o assassinato da família de fazendeiros e sua ida ao local para a feitura do artigo. Acompanhado de Nelle (a escritora Harper Lee, que nesse período escreveu O Sol é Para Todos, que também se tornou um marco literário), acaba desenvolvendo um relacionamento simbiótico com Perry Smith, um dos assassinos. Ao mesmo tempo em que se identificava com aquele marginal sensível e à primeira vista incapaz de realizar um ato brutal, Capote via nele sua mina de ouro, o instrumento que esclareceria os pontos ainda obtusos na sua história. Já Perry via em Capote a pessoa que poderia revogar a sua pena de morte.

É nesse relacionamento não-usual que o filme se projeta e ganha contornos de obra relevante. Ao esmiuçar esse microcosmo, ao mesmo tempo tão conflitante e tão delicado (o também maravilhoso Clifton Collins Jr., na pele de Perry, mostra com exatidão a fragilidade e agressividade do personagem, e se torna um contraponto perfeito ao Capote de Hoffman), Miller contorna seus personagens com carinho e consegue a proeza de humanizá-los. Aliás, é no trato de seus personagens que o diretor consegue os maiores resultados, seja nos atores principais, sejam nos secundários. Catherine Keener (como Harper Lee), Chris Cooper, Bruce Greenwood e Mark Pellegrino são peças igualmente importantes e marcantes que poderíamos facilmente classificar Capote como um filme de atores. Mas seria uma grande injustiça com Miller que, mesmo fazendo um filme esteticamente convencional (o excesso de closes e planos / contra-planos às vezes incomoda), consegue dimensão e profundidade. Ele, curiosamente, por vezes descarta a trilha sonora (belíssima e delicada, por Mychael Danna) para usar com ousadia a falta de qualquer tipo de som. Miller aproveita ainda para fazer um paralelo interessante entre a alta sociedade, o jet set, o círculo social no qual Truman estava inserido e o mundo caipira que ele encontra nos cafundós do Kansas, mundo esse propagado por Bush e pelos conservadores.

A soma de todos esses fatores resulta em um filme elegante e sóbrio, algo que jamais poderíamos esperar em um trabalho feito sobre Truman Capote.

Comentários (1)

Cristian Oliveira Bruno | sábado, 23 de Novembro de 2013 - 16:21

Philip Seymour Hoffman é um dos atores mais sub-aproveitados de Hollywood. O cara tem um telento absurdo, mas acho que não atende aos padrões de rostos lisos e mordedores de lábios. Procurem mais filmes com esse ator, vale à pena

Faça login para comentar.