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Críticas

Cineplayers

Pixar escorrega feio pela primeira vez em sua carreira.

4,0

Em 2006, comprei a idéia que a Pixar vendeu de um carro de corrida famoso, que vai parar por acidente em uma cidade no meio do nada e, lá, passa a descobrir os verdadeiros valores da amizade e da vida. Apesar desse sentimento particular, Carros (Cars, 2006) é considerado por muitos o pior filme da empresa – ao meu ver, posto ocupado até então facilmente por Vida de Inseto (A Bug’s Life, 1998), ainda que fosse bem divertidinho. Com Carros 2 (Cars 2, 2011), ela não só comete sua primeira gafe grave na carreira como entrega um trabalho realmente ruim, indigno de sua filmografia. A própria escolha de lançar uma seqüência para Carros soa desastrada, já que ele não é bem visto pelo público e pela crítica, enquanto vários filmes verdadeiramente queridos poderiam ter recebido a atenção para uma continuação, como Procurando Nemo (Finding Nemo, 2003), Ratatouille (idem, 2007) ou Os Incríveis (The Incredibles, 2004).

Relâmpago McQueen tem as férias interrompidas após o milionário do ramo da energia Sir Miles Axlerod convidá-lo para participar de um campeonato pelo Japão, Itália e Inglaterra com seu novo combustível limpo, não poluente, a fim de reduzir o consumo de gasolina no planeta. Só que certos poderosos não gostam muito da idéia e tentam sabotar a competição, o que atrai a atenção do espião Finn McMissile (Michael Cane na voz original) e da agente Holley, que estão atrás do responsável pelos ataques ao campeonato. Por causa de um mal entendido, ambos pensam que Mate, o reboque caipira amassado e enferrujado, é um agente aliado a eles, e o carregam para todos os cantos do mundo atrás dos malfeitores, instantaneamente tornando-o o novo protagonista do longa.

Se há algo de bom em Carros 2 é a tentativa de se contar uma nova história, de oferecer algo realmente diferente para seu público que, de 2006 para cá, envelheceu e está mais maduro. Porém, se no conceito a idéia é boa, na execução essa recriação de um filme de James Bond não deu muito certo. O primeiro sinal de que a Pixar realmente errou é quando começamos a perceber que, pela primeira vez, seu filme funciona unilateralmente com as crianças, e não com os adultos que as acompanham; até então, suas histórias funcionavam bem com ambos em todos os projetos da empresa. E, mesmo com uma sessão lotada delas, vi poucas crianças realmente se empolgarem com o que estava em tela – e não as culpo, tiroteio atrás de tiroteio não é mesmo o que elas querem ver em um cinema.

O filme é bobo, raso, previsível e manipulador. Algumas faixas da trilha mais dramáticas poderiam matar pais diabéticos de tão melosas, tentando forçar o expectador a sentir algo ao invés de deixá-lo se tocar pela emoção da experiência, algo que a Pixar sempre evitou; e não é a toa que isso aconteça logo na primeira vez em que Lasseter não trabalha com seu tradicional compositor Randy Newman. Por ter havido também uma troca de protagonistas, todo o arco dramático de Lightning McQueen soa desinteressante para o grande público; ou alguém realmente estava ligando para essa disputinha entre ele e o carro de fórmula 1 Francesco Bernoulli? Não que Mate seja um protagonista exemplar, mas se o filme realmente deseja focar nele, porque não fazer de uma maneira mais criativa, como estamos acostumados a esperar da Pixar? E, melhor, sem perder tempo com gordurinhas do roteiro?

Não que Carros 2 seja uma total tragédia: as crianças, com pouca bagagem e muita disposição de curtir um cineminha com os pais, provavelmente vão adorar. Com isso, brinquedos serão novamente vendidos e farão com que a grana que entrará provinda de Carros 2 seja exatamente como no primeiro: uma bilheteria considerável, mas nada se comparada à quantidade de dinheiro feito através de brinquedos, lancheiras, roupas e demais tranqueiras licenciadas. Ou seja, mesmo que seja uma porcaria como filme, não há a menor dúvida de que Carros 2 irá gerar rios de dinheiro para a Pixar / Disney, revelando o tom claramente comercial que o projeto esconde – e o que explica ser realizado na frente das demais fitas citadas no começo do texto.

Outro fator que certamente balança a favor de Carros 2 são os detalhes do mundo que ganham vida: o Japão soa divertidíssimo, colorido, tecnológico, exatamente como o enxergamos deste lado do planeta – a cena de Mate no banheiro é impagável. Já a França e a Inglaterra têm seus principais cartões postais recriados com orgulho, em um trabalho primoroso tanto gráfico quanto fotográfico, pois a iluminação é realmente impressionante e as texturas parecem cada vez mais embaçar os limites entre realidade e computação gráfica. Algumas piadas funcionam bem, como os guardas ingleses, conhecidos por sua postura paralisada em trabalho, sendo importunados por turistas inconvenientes, mas esta já esperada genialidade se perde na história boba e desinteressante, quase intragável, com suas quase duas horas intermináveis.

E, quando tudo parecia definido, vem o pior: com um discurso altamente duvidoso, Carros 2 joga fora a idéia do politicamente correto, da preservação do meio ambiente (que daria uma discussão interessante), para se entregar a frases que dizem coisas como ‘a gasolina é insubstituível’, com sorrisos e música alegre que induzem as crianças a um pensamento bastante questionável. Parando para analisar filosoficamente, é um insulto trocar o modo verde de pensar a favor da indústria poluente, principalmente quando cada vez mais se luta contra esse tipo de coisa. Uma empresa ser verde hoje em dia é essencial para que ela seja bem vista pelo mercado, mas a Pixar parece ir justamente contra isso abraçando as potências poluidoras – o que soa irônico quando lembramos que ela retirou seus brindes de fast foods justamente por esse tipo de comida não fazer bem à saúde alimentar das crianças.

Obs: Doc Hudson, personagem experiente de Paul Newman do primeiro filme, aqui não aparece, sendo apenas lembrado como um grande 'homem' - assim como aquele que nos deixou em 2008 e lhe deu voz. Leia aqui a biografia completa que Régis Trigo fez para o ator.

Comentários (2)

Alexandre Koball | terça-feira, 23 de Agosto de 2011 - 20:30

Esse filme parece marcar o início de uma era mais comercial da Pixar, pois daqui pra frente muitas continuações, prequels e filmes com temática mais clichês estão agendados.

Adriano Augusto dos Santos | sexta-feira, 10 de Agosto de 2012 - 10:23

Pra mim tá o mesmo nível de sempre,enxergaram muita coisa na Pixar que não é bem assim.

Carros sempre foi o mais infantil,mas "Vida de Inseto","Procurando Nemo",e principalmene "Toy Story" e "Up" são bem infantis também,mas foram adorados por adultos porque quebraram as regras da animação antiga,até porque são sinceros,são de sua época,onde a inocencia pouco existe.

Até gosto de ver serem mais infantis mesmo,agradarem ao seu publico principal primeiramente.

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