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Críticas

Cineplayers

Chaga de Fogo é um filme menor, mas não de qualidade menor, do grandioso diretor William Wyler. Vale conferir.

8,0

Justifica-se o fato de Chaga de Fogo não figurar entre os filmes mais populares de William Wyler. Não obstante as diversas qualidades da produção, o conjunto da obra do cineasta é tão reconhecido e essencial ao Cinema que outras pérolas de sua carreira acabam sendo deixadas de lado. Afinal, não é fácil encontrar espaço ao lado de monumentos como Ben-Hur, O Morro dos Ventos Uivantes, Os Melhores Anos de Nossas Vidas e A Princesa e o Plebeu.

O que é uma pena, porque Chaga de Fogo é mais um belo trabalho narrativo de Wyler, ainda que menor em termos de produção do que os filmes acima citados. A história se passa quase que inteiramente dentro da 21a Delegacia, onde o espectador acompanha a rotina de um grupo de policiais e fica conhecendo os bandidos levados para lá. O personagem principal é o detetive Jim MacLeod, que vê a chance de prender um suspeito que persegue há um ano. Mas ele não sabe que o caso pode desencavar segredos que irão repercutir em sua vida pessoal.

Se Chaga de Fogo parece, em termos de recursos, uma produção modesta, mostra-se bastante ambiciosa em termos artísticos. Como se não bastasse as dificuldades de situar a história em um único local, Wyler (trabalhando em um roteiro de Robert Wyler e Philip Yordan a partir da peça de Sidney Kingsley) ainda assume a complicada tarefa de narrar sua trama quase em tempo real. Assim, os 103 minutos de filme correspondem ao mesmo tempo em que a história se desenrola (salvo alguns segundos na passagem de uma cena a outra).

Esta opção, quando tomada por um cineasta competente como Wyler, sempre dá bons resultados, trazendo um clima de urgência e nervosismo à obra (como o fez Hitchcock em Festim Diabólico ou Fred Zinnemann em Matar ou Morrer). Outro aspecto que colabora com esse clima é que não há um minuto de descanso em Chaga de Fogo. Durante toda a duração do filme, algo está acontecendo, inclusive mais de um fato ao mesmo tempo, o que oferece impressionante dinamicidade e agilidade à obra (um exemplo disso é que MacLeod, desde o início, tenta ir para casa, mas não consegue devido aos incessantes eventos).

Mas Chaga de Fogo não se destaca apenas por seu ritmo empolgante. O roteiro revela-se mais profundo do que parece à primeira vista, apresentando camadas que oferecem densidade à história. O desenvolvimento de MacLeod, por exemplo, é impecável. Pouco a pouco, vamos conhecendo o personagem, suas motivações e inclusive seus medos mais profundos, sempre com naturalidade, uma vez que Wyler desnuda-o ao espectador em doses homeopáticas, extraindo uma interpretação poderosa de Kirk Douglas. O personagem vai do tom quase lúdico e sonhador das primeiras cenas com Mary ao confronto com seus próprios demônios, resultando em uma atitude quase suicida perto do final.

Da mesma forma que é eficaz em relação a MacLeod, o argumento também mostra valor na construção da personagem da esposa do detetive, Mary. A princípio a típica mocinha perfeita desse tipo de filme, servindo apenas como interesse amoroso do protagonista, Mary esconde alguns segredos sobre seu passado, em uma atitude corajosa por parte dos realizadores. Além disso, a resolução para a história de amor entre os dois personagens é igualmente satisfatória e, ainda mais importante, completamente de acordo com os caminhos pelos quais a trama acaba seguindo.

No entanto, ainda que haja essa profundidade em McLeod e Mary, o resto dos personagens acaba passando pela tela como meras decorações. Verdade que as interpretações (como a de William Bendix como o detetive Brody ou a de Lee Grant como a ladra de bolsas) evitam a caricatura, fazendo estas pessoas interessantes o suficiente para o espectador. Mas o número de personagens é grande demais para a pouca duração do filme e, ao final, pouco se sabe sobre a grande maioria deles.

Contando ainda com ótimos diálogos, como de praxe no cinema americano de antigamente, Chaga de Fogo merece um lugar de destaque já na destacada obra do mestre Wyler. Pode não ser considerado um clássico, mas possui um ritmo mais eficiente e um nervosismo mais palpável do que muita coisa produzida atualmente.

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