Saltar para o conteúdo

Críticas

Cineplayers

Primeiro dos dois filmes de Soderbergh sobre Guevara, Che é um trabalho de conceitos interessantes – mas falho na execução.

6,0

Curioso um projeto tão ambicioso ser tão simples quanto esta primeira parte de Che, duplo-filme de Steven Soderbergh que trata da trajetória pré e pós-revolução cubana do ícone latino Che Guevara. Ainda que seja bastante difícil analisar este trabalho de Soderbergh tendo visto apenas uma das partes, já que ambas se completam e portanto podem acabar se anulando ou valorizando ainda mais, me parece que boa parte das tendências habitualmente presentes em filmes do estilo são substituídas por um particular desejo de manter a sobriedade acima de qualquer coisa, algo que dificilmente poderia se esperar de um cineasta tão academicamente anti-acadêmico como ele.

O tema central desta primeira parte de Che, filmada em scope com janela 2:35 – o segundo filme, que trata da tentativa de Che em estender sua vitoriosa trajetória para a Bolívia, foi fotografado com uma câmera digital de alta performance e em aspecto 1:85, mais próximo dos padrões de televisão -, é a guerrilha que resultou na tomada do poder de Cuba por Fidel Castro e seus seguidores. O grupo dos rebeldes tinha Che Guevara como um de seus principais líderes e a metade inicial deste épico de Soderbergh sobre sua vida limita-se a apresentar de maneira semi-documental os principais passos do grupo, desde o início da guerrilha, nas montanhas, até momentos antes do embate final com o exército cubano.

Por mais que a questão política e ideológica esteja toda implícita em gestos e ações dos protagonistas– o que obviamente é um sempre presente elemento da ação tendo em vista os objetivos das partes neste jogo – é interessante observar a maneira com a qual Soderbergh lida com o que há de mais caro quando o assunto é Che Guevara, seus pensamentos e realizações. Há uma relação bastante fria entre o diretor e a figura retratada, vista com distanciamento e principalmente sem qualquer juízo de valor durante grande parte do tempo – a exceção fica por conta das relativamente constantes inserções em preto-e-branco de entrevistas e participações de Che no senado (encenadas, claro) que acabam funcionando como força inversa à proposta central do filme. Não existe pretensão alguma de fazer apologia ou julgamentos aos valores aos quais Che se apegava, procurando equilibrar ao máximo o direcionamento do olhar para evitar pré-conceitos.

O grande diferencial de Che é que, ao contrário de outros filmes políticos sobre países latinos, Soderbergh preocupa-se muito menos em montar um painel denunciatório ou estabelecer elos morais e políticos em cada frame do que em inflar o que há de mais cinematográfico na guerrilha. The Argentine é basicamente um filme de gênero narrado de maneira seca, direta, o que faz com que a persona em estudo seja mesclada à ação apenas como mais um dos diversos elementos que a compõem. Soderbergh filma Benício Del Toro de maneira tão fria e distante que não fosse alguns momentos específicos poderia-se dizer que o filme tem por objeto central muito mais a ação do que o executor, e talvez essa discreticidade seja responsável por manter a figura de Che tão bem protegida (eu mesmo torceria o nariz pra qualquer tentativa de engrandecer o personagem já que tenho fortes tendências a não suportar panfletagem de esquerda – principalmente no cinema).

Mas o que parece funcionar tão bem conceitualmente acaba revelando-se muito pouco empolgante na prática. Soderbergh não é exatamente um diretor habilidoso em manter dinâmica de gênero – vide alguns desastrosos trabalhos recentes como Onze Homens e um Segredo, Solaris e O Segredo de Berlim – e embora as seqüencias de ação sejam bastante eficientes, tudo parece desaparecer quando não há tiros e mortes na tela. A frieza que faz de Che um filme muito mais interessante do que seus primos do estilo é também seu calcanhar de Aquiles, já que com isso o tom épico pretendido perde forças, a aventura perde em ritmo e emoção e Soderbergh mais uma vez perde a oportunidade de fazer um grande filme. Que venha a parte dois, embora essa me pareça um filme de Soderbergh no pior que a expressão pode representar.

Comentários (0)

Faça login para comentar.