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Críticas

Cineplayers

Há emoção em meio à redundância. E vice-versa.

5,5
Jonas Carpignano estreou com Mediterranea, que narra o drama do refugiado de Burkina Faso Ayiva em conseguir dinheiro para si e para a família que ficou no país em meio aos subempregos e ilegalidade que cercam a vida dos refugiados africanos na Itália, com trilha sonora de Behn Zeitlin (diretor de Indomável Sonhadora) e editado pelo brasileiro Afonso Gonçalves (de True Detective). Causou sensação em Cannes e ganhou o Grande Prêmio da Semana dos Críticos.

Boa parte desse time está de volta em A Ciambra, concorrente da Itália ao Oscar, onde o filme de Carpignano novamente é editado por Gonçalves, tem trilha sonora de Dan Harmon (trilheiro de Indomável Sonhadora) e tem nomes de peso na produção, como Martin Scorsese e o brasileiro Rodrigo Teixeira (A Bruxa, Frances Ha, O Cheiro do Ralo). Aqui Carpignano pega a mesma história do jovem Pio Amato contada em forma de curta-metragem homônimo em 2014, também escrito e dirigido pelo cineasta, e expande o universo trazendo figuras conhecidas do universo do diretor, como o refugiado Ayiva de Meditarranea e criando relações entre seus personagens mais icônicos.

O dia-a-dia de Pio é revirado de cabeça para baixo quando seus irmãos são presos e, vendo a falta de comida em casa, passa a praticar pequenos roubos e golpes junto com Ayiva para conseguir dinheiro para a família, deixando na condição de homem da casa. Sem uma figura paterna, é no refugiado que sua família cigana vista com preconceito encontra não só um ombro amigo mas também um modelo a se seguir, que coloca limites em seu amadurecimento prematuro e está de certa forma sempre deixando de lado os próprios interesses a favor do bem-estar do menino.

Carpignano sabe estar tratando sobre temas espinhosos - refugiados, miséria, criminalidade, delinquência juvenil - sobre um lugar que é atualmente um dos grandes focos de entrelaçamento entre crises humanitárias e crime organizado, a Calábria. Portanto, uma sábia decisão do seu filme é observar sem julgar, criando um retrato empático de um personagem que toma decisões questionáveis e cujo clima geral de necessidade e decadência moral o faz ir cada vez mais longe na ambição dos golpes e roubos praticados. 

Como filme, é criticável o fato de sua estrutura observacional ser cansativa - daqueles filmes que temos a impressão de estar acabando duas ou três vezes e continuar. Alguns momentos emocionantes são alcançados, como a crescente relação de cumplicidade e afeto quase familiar entre Pio e Ayiva e momentos de formação como quando o garoto contrabandeia uma televisão para uma comunidade de refugiados de Burkina Faso e é largamente aplaudido, saudado e acolhido. Esses momentos ternos de beleza em meio a dor meio que minguam perante a necessidade dos golpes cada vez mais subirem de tom e as figuras de antagonismo que surgem quebrarem a ambiguidade de um filme até então disposto a caminhar no limite junto com suas errôneas porém carismáticas figuras principais. 

Portanto, a sensação geral pode ser descrita como de redundância; salvo por poucos momentos lúdicos, a obviedade narrativa faz que com que se caminhe em círculos sem necessariamente ter um sentido, e é possível dizer que vários dos finais “aparentes” seriam mais significativos, ou simbólicos até, do que o verdadeiro final concretamente falando.

Com isso, o potencial dramático do filme mingua; os momentos fortes de confrontação moral são frustrados por causa do eterno retorno que nada acrescenta e pouco faz além de descrever um carrossel de degradação. Mas se um ponto positivo pode ser destacado, é que a ternura - ou vá lá, delicadeza - no tratamento de Pio nunca é perdida de fato. Mesmo nos momentos mais unilaterais e redundantes, a câmera grudada no garoto nos faz acompanhar a reação do personagem às situações vividas. 

Coadjuvante em Mediterranea e promovido a protagonista agora, o personagem Pio é interpretado por Pio D’Amato - e seu irmão que aplica trambiques no filme, Cosimo, também é seu irmão na vida real. Além da mera curiosidade, isso ressalta a ambição de Carpignano, que admitiu à revista Época ser fã declarado de Roberto Rossellini. O neorrealista de influência chave no cinema contemporâneo, que inovou ao dissolver a narrativa das histórias moralizantes em blocos reflexivos, tirou a câmera dos estúdios e foi filmar nas ruas, dispensou os atores e filmou gente como a gente sem experiência prévia e inventou praticamente um novo modo de fazer filmes.

A devoção de Carpignano está nos recortes, nas locações, na escolha do elenco; nem tanto no modo como escolhe levar a história, com um excesso de causa-consequência que frustra o espectador que espera um filme que realmente narre alguma coisa e pareça um tanto insatisfatório com um filme que realmente aposte num radicalismo formal. Filmes como Paisá, por exemplo, ainda parecem novos, vigorosos e influentes. Essa devoção com concessões faz o filme chegar um tanto datado a um espectador do século XXI, que já testemunhou todos os pós-cinemas possíveis, consciente disso ou não. 

Os méritos inegáveis podem pesar mais subjetivamente de espectador para espectador, de crítica para crítica, mas em matéria de panorama, A Ciambra pouco faz além de remexer um terreno já desbravado, reproduzindo uma revolução que já teve suas bombas de efeito moral ao longo da história. No meio do caminho, a experiência exaustiva (a impressão de “duas horas do que eu entendi em meia hora”) marca em alguns momentos, mas é defasada e cheira a mofo na vasta maioria da projeção.

Visto no Festival do Rio 2017

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