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Críticas

Cineplayers

Western bom-mocista.

5,0
Um dos primeiros ganhadores do Oscar, Cimarron é curiosamente bem pouco lembrado em listas de faroestes. Seu sucesso contrastou com um dos grandes fracassos da época, A Grande Jornada (The Big Trail, 1930), outra produção cara, mas que não foi bem vista no lançamento, o que tornou filmes de westerns obsoletos por cerca de uma década. Até a reabilitação que ocorreu com o gênero a partir do êxito em todos os sentidos de No Tempo das Diligências (Stagecoach, 1939).

A Grande Jornada passou ao longo do tempo a ser apreciado com bem melhores olhos pelos fãs de cinema clássico e de faroestes, ao passo que Cimarron cairia num relativo esquecimento, que só não se tornou completo devido ao prêmio recebido. Falta-lhe algo que sobra nos títulos acima citados de Raoul Walsh e John Ford: autenticidade. Na verdade, sobra autenticidade histórica, mas o filme ressente-se da ausência de uma autenticidade em relação ao gênero. Tudo indica que se trata de um faroeste: elementos que o comprovam como tal se exibem na tela no decorrer de toda projeção. Entretanto, por vezes sugere que os atores estão fantasiados com as vestes ou em um desfile numa passarela tendo por direção de arte o tema “western”. Ou na melhor das hipóteses, e numa análise mais branda, um drama de época ambientado no período do Velho Oeste.

O que não o torna necessariamente mais relevante. O filme é adaptado de um best seller da romancista Edna Ferber, agraciada com um Pullitzer por um de seus livros anteriores, enquanto que alguns de seus trabalhos foram transformados em musicais ou comédias célebres. Anos mais tarde, um de seus livros daria origem a Assim Caminha a Humanidade (Giant, 1956), um clássico mais reverenciado, porém Cimarron carrega uma leveza próxima dos musicais da época, ainda que sem músicas e sem tons genuínos de tragédia que parecem percorrer mesmo um faroeste do segundo ou terceiro escalão. 

Há conflitos em Cimarron como parte das exigências básicas para que ocorra o entretenimento, e não uma força transformadora por mínima que seja que esperamos em um filme ou qualquer obra de arte. Trata de uma etapa posterior na conquista do oeste, cobrindo quarenta anos do final do século XIX até 1930, o que proporcionava uma atualidade para o público da época, mas com bem menos riqueza histórica e humana que possa ser apresentada ao espectador de hoje. Ainda que com menções a busca pelo petróleo e a um e outro presidente norte-americano. 

Um jornalista, Yancy Cravat (Richard Dix), se muda com a família do estado do Kansas para Oklahoma, território ainda pertencente aos indígenas e que depois também se converteria em estado. Progressista, o personagem edita um jornal, e exerce outras atividades na região, como a advocacia e o que mais lhe for exigido. Enquanto que índios e alguns negros surgem na tela como um caráter exótico (as poucas aparições de negros são dotadas de um alivio cômico e caricato). Sua esposa, Sabra (Irene Dunne), precisa se adaptar e sobretudo aprender a viver sozinha quando Yancy se dispõe a se aventurar na Cherockee Strip.

Ainda se consideramos como recorte dos heróicos tempos do jornalismo americano, Cimarron perde para diversos outros exemplares vistos no cinema. O humor quando surge é de forma deslocada, e o filme sofre principalmente da falta de um senso de aventura e de direção cinematográfica (Wesley Ruggles foi um dos pioneiros na indústria hollywoodiana cujo nome e obra não deixaram uma marca muito forte). Uma das sequências mais famosas é a da corrida pela terra, da qual se invoca os altos cultos envolvidos. Frequentemente acusa-se o cinema do começo dos anos trinta de ter perdido um vigor e expressividade que existiam na arte muda, o que é desmentindo por centenas de filmes extraordinários realizados após o surgimento do cinema falado; mas não por Cimarron, do qual dependesse dele apenas se confirmaria a falácia. 

Desde suas origens, o Oscar se dedica a não premiar os melhores. Aqui, idealismo e sacrifício se impõem como valores edificantes (e distantes do inegável talento de um Frank Capra), não como transcendência coletiva ou individual. O filme inteiro é uma ilustração de um romance literário popular, em que imprime-se a lenda mais do que propriamente os fatos, pouco ultrapassando além da abnegação da esposa e do bom-mocismo do patriarca (que se mostra defensor dos indígenas e das prostitutas do local). Geralmente o que sofre de excessos de boas finalidades e de valores para conquistar os aplausos da platéia tende a numa questão de tempo se mostrar redutor e caricato, com o que há de falso ou de frágil por trás de suas intenções. Uma lição para todas as épocas.   

Trinta anos mais tarde, Anthony Mann realizou uma nova versão, Cimarron - Jornada da Vida (Cimarron, 1960), realçando um caráter épico, e que serviria de transição dos westerns para a fase de superespetáculos na filmografia do realizador. Sofreu várias mutilações, prejudicado pelo peso comercial do projeto. Quanto ao filme original, para os nostálgicos, deve-se contentar com a vinheta da RKO na abertura. De resto, parece condenado a se restringir aos anais com as listas de ganhadores do Oscar de melhor filme. O que sempre será muito pouco. 

Comentários (1)

Declieux Crispim | quinta-feira, 15 de Fevereiro de 2018 - 10:43

Mais um belo texto. Grande Lazo!

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