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Críticas

Cineplayers

"Você nos deve muitas vidas..."

8,0

Um filme como Cinco Dedos de Violência (Tian Xia Di Yi Quan, 1972) para um espectador com ao menos duas décadas de vida tende a ser incrível desde os preparativos necessários para o início de sua primeira sessão. Um grau forte de nostalgia bate seguido de uma velha inocência. Atente, no entanto, para o fato de que essa tal “inocência” de outros tempos era submetida ao pecado – enquanto a alma brincalhona estava ativa ao criar um contato com a figura mítica das artes marciais, a ação extrema da violência gráfica estava lá para dar um específico efeito imediato (se você disser, por exemplo, que a sua mentalidade de guri não se chocou ao testemunhar o cadáver de Jim Kelly pendurado em Operação Dragão (Enter the Dragon, 1973), irei responder que não sou obrigado a acreditar). Tudo isso também leva a notar algo para além da nostalgia: filmes clássicos que tratam a temática das artes marciais conseguem exalar com facilidade uma série de sentimentos a partir de elementos simples, e isso é algo maravilhoso.

A obra aqui analisada cai no mal de tantas outras que foram abraçadas pela brutalidade cega do tempo: mesmo sendo referência dentro de seu universo, não chega a ser uma cena incomum o filme de Chang-hwa Jeong passando despercebido entre tantos títulos com os “Bruce Lees” e “Jackie Chans” da vida; algo triste, diga-se de passagem – Cinco Dedos de Violência tem tudo para ser uma das melhores coisas já feitas dentro disso. Adotando um ângulo de visão mais positivo, a obscuridade aqui envolvida pode contribuir para uma melhor recepção e uma aguçada na percepção do espectador acerca dos elementos mais complexos existentes – o que pode ser muito importante aqui, tendo em vista que temos em mãos um trabalho que praticamente sintetiza as melhores das mais conhecidas características com as quais o seu subgênero comumente brinca.

Interessante a forma como a acessibilidade é construída em torno de constantes cenas de ação tendo como sustento um enredo surpreendentemente ornamentado. Em momento algum existe a dúvida de que se trata de um exemplar de sangue e contato corporal; isso, porém, recebe um olhar um tanto curioso: a representação de qualquer agressão física é submetida ao intrínseco dos personagens. Cinco Dedos de Violência põe os seus bonequinhos nos mais diversos conflitos, discutindo amor, honra, fúria, inveja, desespero, vingança, etc.; o melhor: consegue obter êxito em praticamente tudo. Cada momento explicitamente físico é um espetáculo à parte de frenesi; o uso do descartável quase inexiste (considerando que normalmente toda ação aqui tem um peso concreto em cada personagem) e o banal pode passar facilmente em branco (sinceramente, não creio que alguém esperava que aquela história furreca de romance fosse ganhar um enriquecimento tão grande ao ponto de se tornar uma das coisas mais interessantes).

Existe uma força feminina bem notável na figura daquela cantora que surge no meio da trama. É de se questionar, no entanto, o uso pobre de uma peça que colocou para funcionar boa parte da complexidade existente na narrativa, sobretudo no tocante pessoal do protagonista – dá para perceber um grande potencial para uma abordagem mais atenciosa daquele triângulo amoroso platônico. Houve uma deficiência na conclusão de algumas ideias e isso realmente não pegou bem; se trata da velha conversa de ensaiar e não apresentar o espetáculo da forma ambicionada – para quem está presenciando torna-se frustrante. De qualquer maneira, Cinco Dedos de Violência está recheado de emoções e com uma mais que satisfatória execução delas no final das contas – independentemente do nível de gravidade, qualquer problema surgido soa como algo à parte que não representa o conjunto. Somente pelo fato de conseguir se destoar por ser um filme de porrada que utiliza de uma necessária sensibilidade (tanto referenciando o antes como o depois), a obra em questão se torna um objeto memorável. De verdade, é quase impossível não se arrepiar em momentos como aquele clímax e o seu embate final; o mocinho, antes de tudo, se dirigindo ao antagonista: “Você nos deve muitas vidas...” – se segura na almofada porque a coisa agora vai ficar mais séria.

O poder do título nacional é envolvente de maneira incrível. Reparem como soa forte e espiritual – ao ser falado já desperta uma boa empolgação. O autocontrole desse filme quanto ao uso da sua referida violência é destacável: o terreno é primeiramente semeado (a exploração da atmosfera) para que tudo acabe da maneira mais pesada possível. E aqui tem quase de tudo: gente sendo decapitada, apunhalada, espancada até a morte (obviamente) além de umas bizarrices como alguém arrancando os olhos de outro com as mãos nuas; tudo pautado em grandes dilemas morais.

Um pequeno gigante dotado de suas genialidades. Quanto a quem não pôde desfrutar disso em sua infância, fica a dica: faça a si mesmo o favor de reparar esse problema.

Comentários (6)

Victor Ramos | quinta-feira, 03 de Setembro de 2015 - 20:48

O detalhe é que eu nem o citei.

Jules F. Melo Borges | quinta-feira, 03 de Setembro de 2015 - 21:29

E eu nem sei se você é fã. 😐 Mas pra muitos, Kill Bill foi uma porta introdutória pra esse tipo de filme. Five Deadly Venoms, esse, Iron Monkey, coisas que Tarantino "cita" em geral, são os mais procurados. Muita coisa incrível fica meio apagada, e Five Fingers... é um dos mais fracos dentre esses "clássicos" mais reconhecidos (E fica ainda mais se abrir espaço pros mais obscuros).

Victor Ramos | quinta-feira, 03 de Setembro de 2015 - 21:43

É que a forma colocada pareceu meio que uma generalização, mas relax. 😉 To ligado que o Tarantino rasga elogios a esse, mas sou desses não. Essa "obscuridade" é meio relativa; por aqui o filme quase não é conhecido. Se não me engano ele tem uma edição nacional bem furreca em dvd e quase ninguém sabe.

Marlon Tolksdorf | sexta-feira, 04 de Setembro de 2015 - 14:56

5 dedos de violência

Giuliano, Luan, Luan, Fernandinho e Réver.

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