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Críticas

Cineplayers

Roteiro apressado de Mamet colabora para uma obra fraca no currículo do diretor. Brasileiros no elenco não ajudam.

4,5

Sendo um filme que não faz parte do circuito comercial, Cinturão Vermelho tem ao menos um estímulo para aqueles que são meramente atraídos por ver o Brasil  representado em produções americanas ou em estrangeiras em geral.  Além de estarem no elenco os dois atores com maior projeção no mercado internacional, Alice Braga e Rodrigo Santoro, o filme ainda apresenta várias referências ao Brasil por ter como tema o jiu-jitsu, uma arte marcial especialmente difundida por aqui. Mas mesmo com algum potencial para vender a produção independente em solo nacional, os distribuidores devem ter creditado este como sendo um filme sem maiores apelos e o máximo que surgiu de publicidade foram justamente os pôsteres mostrando Santoro e Alice Braga em evidência (sendo que eles são coadjuvantes). Aparentemente, portanto, dessa vez a presença do núcleo brasileiro não foi suficiente para difundir o filme. Inclusive porque, mesmo no Brasil, ele não tem pretensão nem, de fato, apelo para atrair as massas ao cinema. Aliás, a obra tem é pretensão de ser outras coisas.

Dirigido e roteirizado por David Mamet, ele chegou a dizer em uma entrevista ao jornal Los Angeles Times que este seria “um filme americano de samurai. Acho que seria um roteiro que [Akira] Kurosawa iria gostar”. Apesar da declaração parecer pretensiosa, esperava-se realmente algo bem trabalhado se ao menos fosse levado em conta o currículo do diretor. Mamet é um respeitado escritor de peças de teatro que já recebeu indicações ao Tony Awards, a premiação máxima dos palcos. Como roteirista também foi indicado ao Oscar em 1983 por O Veredito e em 1998 por Mera Coincidência, além de ser responsável por um dos clássicos das obras de máfia, Os Intocáveis (1987).

Cinturão Vermelho procura realmente ser mais profundo, trazendo para uma abordagem atual a questão da honra enquanto a antagoniza em relação à corrupção. A trama inclusive não é a típica de filmes cujo mote são competições de artes marciais, à exemplo de O Grande Dragão Branco (1988), ou qualquer outro no qual o mocinho tem que arrebentar todos adversários pra conquistar a garota ou provar seu valor. Mike Terry (Chiwetel Ejiofor) é um mestre em jiu-jitsu que em sua academia preza pelos ensinamentos e valoriza a luta unicamente como forma de autodefesa. Ele se recusa a participar de competições pois acredita que elas desvalorizam o combate por envolverem apostas. Após salvar Chet Frank (Tim Allen), um ator de Hollywood, numa briga de bar, a situação culmina para que ele seja impelido a competir.

A verdade é que, apesar das potenciais boas premissas, o que ocorre é uma história que degringola do meio para o final. Mamet constrói no começo uma história que parece abordar um lado mais humano dos personagens, com um bom tratamento dos diálogos recheados de coloquialismo o que contribui para criar um clima mais próximo do real com situações verossímeis. Mas a partir do momento em que Mike se aproxima de Chet Frank e ele se vê envolvido em situações que acabam o obrigando a participar da competição e quebrar o seu “código de honra”, a trama conspiratória mostrada é marcada por acontecimentos que parecem ser simplesmente obras do acaso. Para um roteiro que começa sustentado em momentos plausíveis, os jogos de interesse que envolvem a participação de Mike nessas lutas vendidas são desenvolvidos de forma deveras confusa e absurda. Fica evidente que há uma máquina corrupta que comanda aquilo, mas nunca fica explicitado qual o verdadeiro interesse que se tem por Mike nem como todo o golpe armado pra cima dele parece ter tido cada passo minuciosamente premeditado ocorrendo de uma forma infalível.

Isso apenas contribui para algumas soluções bruscas do roteiro. Personagens como Chet Frank, que foi essencial para o desenrolar da história, simplesmente desaparecem sem maiores explicações. Uma subtrama envolvendo a mulher de Mike, interpretada por Alice Braga, em que ela tenta vender uns vestidos brasileiros já que seu marido continua se recusando a competir para ganhar algum dinheiro, também é concluída de maneira grosseira e mal explicada. Mas talvez a mais incoerente situação seja a solução encontrada para o oficial Joe Collins (Max Martini), um policial treinado por Mike que era sua esperança de propagar sua ideologia de honra. É incoerente basicamente por parecer forçada a sua história inserida em meio a todo o golpe que impulsiona Mike à competição e como ela é concluída de modo drástico.

Aliás, essa idéia de honra mostrada, supostamente como queria Mamet, algo próximo a Kurosawa, se no início parecia coerente, no decorrer do filme começa a soar ridícula. Mike é irredutível em suas crenças e só opta por alternativas para conseguir sair do endividamento quando a situação já beira o insustentável. Ele passa de um possível herói de filosofia própria e pensamentos autênticos para um completo bobão. Tudo soa deslocado do teor inicial do filme. Isso porque, quando a trama vai se aproximando do final e culmina na fatídica competição de artes marciais, o filme quer mostrar mais e mais sua pretensão simbólica e aí é que a intenção do diretor se volta contra ele próprio e a obra se torna justamente o que não parecia ser no começo: algo como O Grande Dragão Branco ou uma das películas de Chuck Norris. A seqüência final é de tal forma abrupta que chega a causar risadas. É inevitável não pensar: “tá bom, até parece...”. Ao menos em meio a isso tudo as cenas de luta são bem feitas (mesmo esta não sendo uma obra de ação) prezando por reproduzi-las de forma técnica sem a teatralidade comum aos filmes do gênero o que pode agradar os fãs do combate corpo-a-corpo.

Bom, mas se eu abri falando do provável potencial que Cinturão Vermelho teria aqui no Brasil diante do fato de haver um considerável núcleo brasileiro na história, esse realmente se mostra como um dos poucos atrativos para os espectadores locais. Mesmo Alice Braga tendo um papel coadjuvante e Rodrigo Santoro aparecendo menos ainda, há uma boa retratação do “jeito” brasileiro de ser. Não sei como esse filme foi recebido nos Estados Unidos ou em outros lugares, mas esse, a meu ver, parece ser realmente o único ponto que possa interessar.

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