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Críticas

Cineplayers

Um drama muito forte e realista sobre pobreza e infância, sobre a vida difícil.

7,0

As Cinzas de Ângela é um filme baseado num livro auto-biográfico de sucesso, autoria de Frank McCourt, dono de uma história de vida triste e desafortunada na parte pobre da Irlanda na primeira metade do século passado. É uma história realmente triste, que mostra uma Irlanda cheia de favelas, fome e desesperança, enquanto as pessoas que viviam nessa realidade lutavam para sobreviver em meio a doenças fatais e desemprego. Chega a lembrar o nosso Brasil, só que o atual, o que é bastante deprimente. A Ângela do título é interpretada por Emily Watson, em um de seus melhores papéis até hoje. Mãe de uma ninhada de filhos, entre eles Frank, Ângela é casada com Malachy, homem que a ama, mas que também é cheio de problemas, principalmente com o desemprego e a bebida.

A família vive uma luta diária pela sobrevivência, correndo atrás de cada fatia de pão e tendo seu orgulho ferido ao ter que sobreviver muitas vezes de esmolas. Mas o filme é todo do personagem principal. Frank, o autor da auto-biografia, resolveu homenagear, acredito eu, sua mãe com o título do seu livro, mas a maioria dos momentos fortes e emocionantes do filme são vividos por ele mesmo, como não poderia deixar de ser. O filme retrata toda a vida dele, desde seus primeiros anos até a sua adolescência, quando tem que assumir as responsabilidades pela família. Para isso, foram utilizados três atores diferentes, o que é sempre um risco (necessário, é bom que se deixe claro) para um filme do gênero. No caso, todos os pequenos atores fizeram um grande trabalho, e dão a consistência exata que o personagem precisa para ser crível durante a narrativa da história, ou seja, um ator não destoa demais do estilo do outro, na verdade fica até difícil achar quando foi feita a mudança de um para o outro. A narração é feita durante boa parte do filme em off, com Frank já adulto contando todas as fases da sua vida, enquanto as imagens nubladas de uma Irlanda pobre e castigada é mostrada na tela.

O diretor Alan Parker, cujo último filme é o musical Evita, faz sempre um trabalho competente com os atores, embora o roteiro de Laura Jones escorregue em diversas passagens do filme, mostrando situações nem sempre bem compreensíveis e explicadas. O final do filme é aberto, ficamos conhecendo o destino de Frank, mas não o de sua família. Não é necessariamente um fator negativo, mas talvez seja um tanto frustrante, principalmente em se tratando de uma história real. Eu gostaria de saber o que diabos aconteceu com a família de Frank ao final na narrativa. Contudo, como o roteiro tem de cobrir uma vida toda (bem, na verdade apenas até o final da adolescência de Frank), pode-se considerar que as passagens dessa vida foram bem escolhidas para aparecerem no filme. Como eu não li o livro, não posso julgar em termos de adaptação. Li por aí que o filme acabou sendo fraco nesse sentido, o que não pode ser comprovado por mim.

Os atores fazem um excelente trabalho, em um filme que deve ter sido difícil para eles. A duração é grande, os sets são sujos e as situações são, em geral, bastante fortes. Emily Watson e Robert Carlyle se destacam também como os pais de Frank. Ambos personagens possuem personalidades complexas, que são razoavelmente bem exploradas pelo roteiro (embora eu gostaria, por exemplo, de ter entendido melhor o motivo principal porque o pai de Frank sempre ficava bêbado, empregado ou não). O filme possui um certo tom épico, são vários os personagens com que Frank (ou Frankie, como era chamado pelos pais) contracena durante todo o filme, dando a profundidade necessária pelo menos ao personagem do garoto.

Com todos esses pontos positivos, mesmo assim existe uma sensação de que é tudo muito certinho, ensaiado durante o filme. Explica-se: em nenhum momento em especial o filme consegue ser realmente forte, chocante, digno de se tornar um clássico, mesmo tendo temas tão bons para serem explorados. Outro filme parecido e recente, aliás, foi lançado um ano após As Cinzas de Ângela. É Liam, que também trata da pobreza da época. Só que Liam se passa na Inglaterra, e aqui os personagens não vão muito com a cara da Inglaterra. No geral, considero As Cinzas de Ângela um pouco superior, justamente pelo tal teor mais épico de sua história. Liam parece um filme menor e mais pessoal. Contudo, ambos são ótimos filmes de mesmo tema, e merecem ser conferidos, como uma recomendação positiva para quem curte um bom drama e quer sair um pouco do filmes norte-americanos (embora este seja custeado com dinheiro dos Estados Unidos também).

Tecnicamente o filme é bastante interessante. Com uma recriação de época bem realizada, sets que realmente fazem a náusea dos personagens parecer convincente, o diretor Alan Parker realizou um filme muito bem filmado, com um ritmo constante, que faz com que a sua longa duração não seja sentida (pelo menos não o foi por mim). A trilha sonora, que é bastante boa, foi realizada pelo maestro John Williams, que concorreu ao Oscar por ela no ano posterior (acho que ele merecia ter concorrido pela maravilhosa trilha de Star Wars Episódio 1 – A Ameaça Fantasma, lançado no mesmo ano, mas isso é outra história). A nomeação não foi nenhuma surpresa, já que desde 1995 John não perde um Oscar com uma nomeação, embora sua última vitória foi em 1994 com A Lista de Schindler. De qualquer forma, a trilha de Williams é um ótimo complemento para o bom filme que é As Cinzas de Ângela. Nem mais, nem menos.

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