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Críticas

Cineplayers

A falta de entendimento interno e externo.

7,5
As cartelas iniciais nos colocam a par do momento egípcio onde o filme Clash se situa, logo após os eventos de junho de 2013 quando o presidente Hosni Mubaraki renunciou ao cargo. Conflitos civis eclodiram no país e o filme irá acompanhar um desses dias num ponto de vista bem inusitado. O cineasta local Mohamed Diab (do igualmente exasperante Cairo 678) consegue com seu novo filme um feito invejável, que poucos cineastas ousam tentar: prender cerca de 15 personagens num espaço exíguo de uma cela-móvel em uma van policial e criar não apenas tensão, como também interesse contínuo. Como os personagens que gradativamente chegam até o mesmo espaço, a câmera está confinada nesse ambiente que durante a projeção mudará de característica a cada novo viés proposto por Diab, que manuseia o público de maneira muito inteligente. 

Do elenco coral, Diab vai quebrando nossas percepções ao intercalar visões daquele mundo. De um lado, o grupo Irmandade Islâmica; do outro, pessoas a favor do exército e das forças oficiais; entre eles, alguns outros que só anseiam sobreviver e resistir aos conflitos de forma pacífica. Esses universos tão dispares presos no mesmo ambiente durante um dia promovem todo tipo de interação possível. Do conflito inicial esperado, violento e abrupto, vamos passando por outros lugares comuns das relações interpessoais de hoje em dia, uma representação gráfica de como observamos a nossa "bolha". Pessoas gritando, pessoas descontroladas, pessoas apaziguadoras, enquanto outras lutam e se descabelam: o retrato da maior parte das timelines de qualquer rede social. Um dos méritos de Diab é transpor essa realidade para fora do virtual. 

Com uma realização que intercala planos contínuos a uma montagem febril e pulsante, estamos literalmente no olho do furacão. Se no longa anterior o diretor já tinha trabalhado com o conceito do espaço fechado como vetor de conflitos, dessa vez ele centraliza sua trama inteiramente em um espaço fechado, e o coloca tanto como testemunha ocular dos acontecimentos, quanto como seu palco. O que poderia representar o maior problema da produção é travestido de qualidade nas escolhas precisas de Diab como realizador e sua mão cheia para radiografar tensão. Num registro naturalista e acessível, o filme apresenta seu elenco coral com muita propriedade, dando a possibilidade do público se identificar com cada uma das personagens e dilemas apresentados, um mérito também do roteiro. Em pouco tempo mesmo integrantes das forças armadas estarão compelidos a observar os manifestantes de forma mais compassiva, porque mesmo eles já estarão do outro lado. 

Tendo aberto a Un Certain Regard do Festival de Cannes 2016, provavelmente foram as características políticas que levaram o filme à Croisette. Através do retrato objetivo e cheio de humanidade pintado por Diab, cada personagem em cena importa e vai imprimindo registros morais completamente diferentes do lugar onde eles se encontram no final. A relação silenciosa que um menino lida com seu adversário em um jogo da velha é uma das chaves emocionais potentes acionados por Diab na condução de sua narrativa. Ajudam também a sublinhar o longa com eficiência o trabalho do som, uma reconstrução fiel de um dia explosivo e repleto de adrenalina que dá quase uma conotação de cinema de gênero a um autor muito disposto a olhar pro seu país e ver não apenas o mundo todo, como também principalmente ver um retrato da ausência de união nos dias de hoje em qualquer lugar, do Egito ao Brasil. 

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