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Conclave

(Conclave, 2024)
7,5
Média
60 votos
?
Sua nota

Críticas

Cineplayers

A estruturação tradicional e política de um filme que versa sobre um tabu de rezas ocidentalizadas.

6,0

Uma lenga-lenga bem arregimentada em prol de uma flutuação entre o conservadorismo prosaico de uma agremiação clerical milenar tendo de lidar com algumas novidades que são amplamente consideradas como tabus sérios a ela própria. Mas tudo bem encaixado dentro da lógica sim de um cinema tradicional. O que acaba por abrir para uma indagação relevante. Será que a obra teria mais impacto caso fosse mais veemente e questionadoramente crítica em seus anseios? Partindo de pressupostos vanguardistas de um cinema mais inquieto por exemplo. O impacto funcionaria mais de maneira pessoal a uma preferência minha com toda certeza, mas já que a temática – vamos abrir logo o jogo – versa sobre a possibilidade de uma pessoa intersexo crescer na hierarquia da Igreja Católica e assim mesmo ser disposta ao papado. Esta é uma inquirição graúda transposta para o terceiro ato da obra, que se não é jogada como grande surpresa (foi), talvez tenha sido tratada com menos atenção do que deveria durante o processo como um todo. Some-se isto ao aspecto de cinemão clássico ocidental em suas escolhas dramáticas, conflitos e transições. Por ter esta cara arcaica bem ajambrada ao mesmo tempo que o tema é deveras apontado como subversivo pela Igreja Católica, Conclave (Conclave, 2024) traz um ponto de interesse. O desavisado que vai atrás desse material e começa a entender da corrida política e ideológica para a seleção de um novo papa, pode ter um imprevistozinho no decorrer da fita. Alguns católicos ficarão putos. E nenhum problema quanto a isso. Aí que mora algumas das apostas instigantes desse material. O ritmo de admiração de ambiente e direcionamento político de parte a parte, com anseios de variadas esferas e joguetes por turmas de candidatos e apoiadores vão sendo distribuídos, criando um minimamente curioso mosaico de politicagem e egolatria que ocorre nos altos círculos do Vaticano. Porém tudo ainda tratado com algum respeito – coisa que eu não faria – e parcimônia, mas, convenhamos, pra fazer raiva nos radicais basta uma gota de sangue na piscina.

A gênese final em questão tem seu preâmbulo mostrado num primeiro momento dramático, mas não justificável na passagem do tempo. Quer dizer que um bispo meio que escondido no Afeganistão, que a massacrante maioria da cúpula nem diabos sabia quem era (mas ele foi nomeado cardeal pelo próprio papa antes de morrer), e a partir de um discurso fuleiro ao 45 do segundo consegue ser eleito? Isto meio que enerva e avacalha a corrida política feita até ali, mesmo que as conspirações sejam relevantes para algumas mudanças de votação, mas o findar me soou avulso demais. Sacralizando pra caramba uma figura que em tom de provocação sua existência ali já seria o suficiente. Como exemplo de apontamento autoritário meu proponho as variadas citações ao longo da Idade média até a contemporaneidade que nos agarra, da suposta aparição de uma Papisa mulher, João VIII – conhecida como papisa Joana [período de 855-858, tendo terminado seu papado ao parir uma criança no meio da rua (tem um que óbvio de exagero nessa história, mas há uma discussão fervorosa sobre)] –, que a menção desta situação já tratada como heresia é, e faz um eco por sobre a aceitação do que a própria instituição não larga o osso de seus dogmas e trata como absurdo quaisquer interrogatórios contrários, ou debates de elementos bem duvidosos de sua trajetória. Tudo em defesa de sua própria durabilidade como corporação milenar de poder econômico, político, simbólico e ideológico. Toda e qualquer invasão sexual que difira dos homens europeus brancos já é tratada com exitosa ofensiva com raríssimas exceções. A exposição como o inesperado faz certo sentido como ideia, se bem tratada assim fosse, mas o direcionamento aqui me parece ser pelo absurdo da condição. O choque. Mas o preâmbulo soara incoerente demais pra situação acontecer. E risível quando nos distanciamos e olhamos a completude do todo.  

A pormenorização dos momentos pré-descoberta da figura intersexo eleita propriamente dita, é tratada com ares de conspiracionismo falsamente silencioso onde a eleição papal é tratada com idas e vindas de personagens em conflito entre os que defendem um tradicionalismo bruto e arraigado em conceitos de racismo religioso até, para a turminha progressista da igreja que se agarra nalguns avanços sociais para se bastarem – aqui me parece ser uma alusão também a figura do Papa Francisco e seus direcionamentos menos arcaicos e até reformadores. A área cinza que falte ao tratamento dado a ambos grupos vem por sobre o protagonista responsável por organizar o papado que fica a cargo do Cardeal Lawrence (Ralph Fiennes), que fica no fio da navalha enquanto investiga detalhes não ditos da morte do Papa anterior, assim buscar dar conta das resoluções nas tentativas de desestabilização das candidaturas, desde contendas acaloradas e espionagens e ações diversas que se permitem a sujar cardeais em favor de um projeto de maior lisura. Este entremeio tem a serventia de uma preparação de terreno para a surpresa que mencionei, mas a própria mesmo fora conclamada pelo voto através de um discurso bonitinho de paz e amor do Cardeal Benitez (Carlos Diehz) que pareceu ser proveniente dalguma Miss Universo ao ganhar um título. E foi isso que convenceu a alta cúpula do Vaticano a votar na criatura? Uma opção narrativa pra afirmar criticamente que a briga politicosa na Igreja tem muito mais força do que eles afirmam não ter e que sujeiras acontecem sim, porém fica difícil crer que esta turma votaria num semidesconhecido. Obviamente que o simbolismo do esquema todo vem a contemplar a escolha de um humano intersexo como base crítica dramática também como provocação, mas ainda assim dentro desta égide este personagem ainda é moldado como ser impecável e sem defeitos aparentes. Com um ar sacralizado diante de sua estrutura e comportamento, o que ironicamente, não deixa de ser moralmente conservadora esta visão do belo em perfeição sem falhas. Estes são arrudeios que a produção escolhe para compor seu arcabouço crítico opinioso, mas não tratara com a devida sagacidade para se evitar minimamente uma contradição que beira a piada. Nisso fica parecendo que o uso do susto do papa intersexo tem a serventia em ser escudo ideológico e narrativo – metido a progressista – que se justifica pela própria permanência. Ainda mais de uma fita que se esforça em perambular entre os debates acerca da eleição de um novo papa com algum cuidado do que realmente há nas tramoias e joguetes políticos. Tudo bem embalsamado por uma produção caprichada, que é um ponto esperto na já tão supracitado momento de súbito.

No mais, é uma cria que declara seu caminho por vias conhecidas pra se fazer um apontamento como se perigoso fosse, mas tem a consciência do que pode atingir. Aposta nesta concepção, mas se protege por outra ponta, e não estabelece uma pancadaria franca como outros assim o fizeram por sobre a Igreja Católica. E ainda mais quando é solto num período de um Papa mais minimamente mais vanguardista (talvez esta seja uma palavra muito forte para este uso) que dá mais permissão a querelas alcunhadas anteriormente como absurdas. Abuso mesmo vai incitar só nos fanáticos. Uma produção com estofo no seu formato de cinemão clássico, mas com uma crítica metida a espertinha e embalsamada de um teor de progressismo colorido.

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