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Críticas

Cineplayers

Boas intenções não bastam.

5,0

O roteiro é a adaptação de uma história real. Os atores são do escrete principal. A história de amor e de superação, serve de exemplo para pessoas de todas as idades, nacionalidades e gerações. A combinação destes três elementos, ostensivamente presentes em A Condenação (Conviction, 2010), lembra uma palavra: Oscar. Provavelmente foi isso que passou na mente dos produtores – entre eles a atriz-protagonista Hilary Swank – que injetaram dinheiro para levar às telas um roteiro, de autoria de Pamela Gray, escrito há mais de 8 anos e que já tinha sido recusado por grandes estúdios norte-americanos. De fato, o filme teve suas primeiras exibições no Festival de Cinema de Toronto de 2010, que de uns tempos para cá tornou-se uma das principais vitrines das produções com potencial calibre para concorrer ao prêmio da Academia. A estreia em solo americano se deu em outubro, mas as críticas mornas contribuíram para que o filme não vingasse nas premiações como o esperado. O inesperado atraso de um ano para o seu lançamento nos cinemas nacionais pode ser explicado justamente pela falta dessa retaguarda de marketing ou, o que seria mais honesto, pela pouca familiaridade e interesse dos brasileiros com história aqui narrada. Independente destas questões de mercado, o fato é que o resultado final de A Condenação não agrada completamente.

O filme começa nos informando que a história que será contada é baseada em eventos reais, ocorridos no ano 1980, na pequena cidade de Ayer, distante apenas uma hora de Boston, capital do Estado de Massachusetts. A câmera, do lado de fora de uma casa rural, nos convida a entrar. Em flashes rápidos, vemos manchas de sangue esparramadas por todos os lados. Os cômodos estão desarrumados e os objetos, jogados pelo chão. Um crime brutal foi ali cometido. A vítima: Katharina Brow.

Em seguida, indo e vindo no tempo, o roteiro vai nos apresentando os personagens envolvidos no episódio. Um deles é Betty Anne Waters (Hilary Swank). Atualmente seu tempo é dividido entre as aulas na faculdade de direito, os filhos adolescentes, fruto de um casamento que não deu certo, e o trabalho como garçonete. Com tantos afazeres, não é de se surpreender que ela não consiga entregar os trabalhos de classe dentro do prazo, nem dar a atenção necessária ao poema escrito por um de seus filhos. Logo saberemos o motivo de tanta dedicação: seu irmão Kenneth Waters (Sam Rockwell) está preso pelo assassinato da mulher vista na primeira sequência. Convencida da sua inocência, Betty decidiu se tornar advogada para ter os instrumentos necessários para tirá-lo de lá.

Kenny Waters, por sua vez, nunca foi flor que se cheirasse. Na época do crime, ele já tinha passagem pela polícia e era sempre um dos primeiros suspeitos quando algum novo delito era reportado na delegacia local. Dessa vez não foi diferente. Seu álibi no momento da morte de Brow não era dos melhores, e as provas contra ele, ainda que circunstancias, só aumentavam as suspeitas. Resultado: 18 anos de prisão. O tempo passa, Kenny permanece preso por vários anos, mas a obsessão de Betty não recrudesce um só momento. Quando os tribunais americanos passaram a admitir a realização do exame de DNA como prova válida nos processos criminais, Betty vê a oportunidade de demonstrar em juízo aquilo que ninguém tira da sua cabeça: a inocência do seu irmão.

A Condenação sofre do problema típico daqueles filmes que narram histórias reais. Para quem acompanhou os eventos na época – e pelo jeito, o caso teve bastante repercussão nos EUA – o desfecho da trama já é conhecido previamente. Talvez pensando nisso, o roteiro não se interessa em tentar responder se Kenny teve ou não participação no crime, mas sim na busca da sua irmã por novos indícios técnicos que comprovem a sua inocência. Desta forma, A Condenação descarta intencionalmente os elementos típicos de um filme de tribunal ou de denúncia a possíveis erros de decisões judiciais condenatórias, e se assume como uma obra sobre a obstinação, a perseverança, a lealdade, a dedicação e o amor fraternal. Não está certo nem errado. A proposta do filme é essa e devemos respeitá-la.
 
Mas então o que devemos pensar sobre A Condenação? A resposta pode indicar o grande problema do filme: nada. E nem é necessário. Ele faz isso por nós. Como uma mãe que ainda não confia inteiramente nas aptidões de seu filho recém-nascido, o diretor de A Condenação não acredita no seu público. E a todo instante avisa o que ele tem que fazer, seja chorar, ouvir, ficar com medo ou raiva. Nos momentos de emoção, ouve-se uma trilha sonora melodiosa; nos momentos de frustação da protagonista, o roteiro deixa isso claro ao inserir um desentendimento entre ela e sua melhor amiga (para logo depois obrigar as duas fazer as pazes); quando se revelam os possíveis erros havidos no julgamento de Kenny Waters, acentua-se o lado maligno, vingativo e oportunista de alguns personagens (como o da policial) que foram os responsáveis pela prisão do rapaz; para explicar as condutas violentas de Kenny no presente, enxerta-se um flashback (com a luz diferenciada, claro, para que as pessoas entendam que aquela passagem se refere a um tempo passado) revelando os maus tratos que ele recebia da mãe alcoólatra. Sob o pretexto de se preocupar com o espectador, deixando para ele tudo pronto e acabado, o roteiro faz justamente o contrário. Ele o alija de cena. A Condenação é um filme que se basta, que não precisa de uma audiência. Por tudo isso, não é difícil entender o motivo pelo qual pouco ou nada se tenha a dizer sobre ele após sairmos da sala de exibição.

Por mais que o filme tente, é difícil ao espectador se identificar e torcer pelos personagens. Kenny nos é mostrado como um indivíduo de pouca instrução (o que se revela pelos erros ortográficos que ele comete nas cartas que escreve de dentro da prisão), encrenqueiro, que não leva desaforo para casa e que, astutamente, sabe manipular todos os envolvidos para escapar ileso dos seus pequenos delitos. Numa determinada cena, mesmo com a sua filha de colo presente e numa clara reação desproporcional, ele não pensa duas vezes em dar uns sopapos em um homem no bar. Em seguida, em vez de ser repreendido pelos familiares, Kenny os seduz com um strip-tease improvisado. Betty, por sua vez, ainda que tenha vivenciado os mesmos problemas na infância, se mostra mais civilizada na idade adulta (ainda que o roteiro, talvez por necessidades narrativas, a pinte perfeita e determinada demais para o meu gosto). Mas por mais incondicional que fosse seu amor pelo irmão e considerando o passado do rapaz, é difícil acreditar que ela não teria um instante de dúvida sobre a sua inocência e que nunca, em nenhum momento sequer, tenha lhe indagado a verdade sobre o caso.
 
A direção é de Tony Goldwyn, cuja fama se deve a dois grandes motivos (não necessariamente nessa ordem): foi neto de Sam Goldwyn, um dos produtores mais famosos da Era de Ouro de Hollywood, e é o ator que interpretou o vilão de Ghost - Do Outro Lado da Vida (Ghost, 1991). A Condenação é seu terceiro longa-metragem. Como já tinha ficado claro em seus trabalhos anteriores, os insossos Alguém Como Você (Someone Like You..., 2001) e Um Beijo a Mais (The Last Kiss, 2006), o trabalho de encenação não é seu forte. Goldwyn está entre aqueles cineastas que preferem se colocar a serviço do roteiro que filmam, chamando o mínimo de atenção para si. Em A Condenação não é diferente. Se a história narrada já dava ao filme um jeitão de produção para a televisão, o estilo quadrado, à base do campo/contracampo de Goldwyn, só acentua essa característica.

Com o diretor se deixando ofuscar pela história, sobra espaço para os atores brilharem. E nem nesse quesito o filme se destaca tanto assim. Apesar de o elenco de ser primeira linha e de ninguém destoar do contexto, fica uma impressão de marasmo no ar. Hilary Swank, apesar de ter sido indicado ao prêmio do Sindicato dos Atores em 2010, está supreendentemente apagada. Sam Rockwell sai-se melhor, mas é prejudicado pela própria passividade do personagem, que se limita a esperar a movimentação dos acontecimentos. Ainda sobra espaço para alguns coadjuvantes de luxo, como Minnie Driver, Melissa Leo, e Juliette Lewis, a melhor das três.

A Condenação me lembrou um pouco Erin Brockovich - Uma Mulher de Talento (Erin Brockovich, 2000). Ambos narram histórias que valem a pena ser contadas e descobertas (ainda que possa se discutir se o documentário não fosse o melhor jeito de transpô-las para as telas). São exemplos reais de superação, obstinação, determinação, temas, enfim, inspiradores, maiores que a vida, e que tanto atraem os americanos. Mas se no filme de Steve Soderbergh, ainda dava para se contar com o carisma de uma Julia Roberts e o talento de um Albert Finney, em A Condenação nem isso. Aqui sobra boa vontade; mas falta alma.

Comentários (2)

Matheus Soeiro Villela | sábado, 29 de Outubro de 2011 - 14:15

Sabia que era uma bosta. Vi o trailer outro dia e ficou mais que óbvio que era um pseudo filme inspirador ("Desista! Você não conseguirá trazê-lo de volta" "Nunca!")

Alexandre Cavalcante | domingo, 30 de Outubro de 2011 - 11:16

Parece que Hilary Swank escorregou mais uma vez nas bilheterias em busca de mais um sucesso no drama. Ela atua bem, porém já está cansando pela previsibilidade dos personagens semelhantes a outros interpretados pela mesma.

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