Quando a falta de direção transforma uma ideia promissora em desperdício.
A imagem de um homem preso dentro de um carro de luxo, cercado por portas trancadas e por uma voz invisível que o julga, é central em Confinado (Locked, 2025) . Não pela potência cinematográfica da cena — que não existe — mas pela metáfora involuntária que oferece: a de um filme que, assim como seu protagonista, está encurralado. Encurralado por uma falta de imaginação, por uma estrutura genérica e por uma crença quase arrogante de que a reciclagem de ideias pode substituir a urgência da criação.
Eddie (Bill Skarsgård) é mais um entre tantos corpos masculinos à deriva. Um sujeito comum, vencido pela precariedade cotidiana, tentando equilibrar trabalho, paternidade e dignidade com uma van quebrada e o aluguel vencido. Quando se depara com um carro aberto, acredita estar diante de um golpe de sorte. Mal sabe que está prestes a ser engolido por uma armadilha — ou melhor, por uma alegoria moralista travestida de suspense.
Do outro lado está William (Anthony Hopkins), médico aposentado, doente terminal, dono de um ressentimento cultivado com método e precisão cirúrgica. Não se trata mais de viver ou morrer, mas de punir. Não os culpados exatos, mas qualquer um que se encaixe na moldura do inimigo: bandidos, aproveitadores, infratores — figuras genéricas que já invadiram seu carro ou sua vida. Eddie, claro, é mais símbolo do que pessoa. O castigo que William oferece não é justiça; é desforra.
O problema é que Confinado parece tão obcecado em sustentar esse jogo de poder, esse tabuleiro ético maniqueísta, que esquece de questionar qualquer coisa. O longa, dirigido por David Yarovesky (de Brightburn - Filho das Trevas (Brightburn, 2019)), transforma o que poderia ser um confronto psicológico em um espetáculo sádico, onde o sofrimento se acumula sem provocar outra coisa além de tédio ou repulsa.
Skarsgård até tenta encontrar alguma humanidade na impotência do personagem, mas está à mercê de um roteiro que apenas empilha humilhações. Hopkins, por sua vez, habita seu papel como quem assiste de fora: cínico, quase zombeteiro, como se dissesse que já viu tudo isso antes — e melhor feito.
É curioso (e desanimador) perceber que versões anteriores dessa história — como o argentino 4x4 (4x4, 2019) ou o nacional A Jaula (A Jaula, 2022) — entenderam melhor o contexto que pretendiam retratar. Adaptaram não só a trama, mas os dilemas sociais e humanos que ela carrega. Confinado, por outro lado, prefere o caminho mais raso: o da revanche disfarçada de
reflexão.
O que sobra é uma sucessão de cenas de violência que não conversa com o mundo, apenas grita para ele. Um filme enclausurado em suas próprias ideias recicladas, sem empatia, sem imaginação e sem qualquer lampejo de frescor. Uma prisão — para o protagonista, para o espectador e, sobretudo, para quem assiste.
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