Saltar para o conteúdo

Críticas

Cineplayers

Drama, western e diálogos maravilhosos: Consciências Mortas é uma pequena obra-prima injustamente impopularizada.

9,0

A década de 1940, parcialmente consumida pela Segunda Guerra Mundial, foi uma grande década para o cinema. Os filmes começaram, mais do que nunca, a explorar histórias mais intimistas, influenciadas ou não, direta ou indiretamente, pelo conflito que se estendia na Europa e chegava a outros cantos do mundo. Consciências Mortas foi um dos grandes filmes daquela década, um “western” com elementos típicos do gênero e que trazia, principalmente, discussões relevantes sobre a alma humana, e o quão baixa ela pode chegar.

A história possui seu charme na aparente simplicidade: em uma pequena cidade do Oeste norte-americano, um fazendeiro local é assassinato e os homens de lá saem à caça dos prováveis culpados, sem o aval do xerife, que estava indisponível no momento do ocorrido. Eles acabam encontrando três sujeitos e o julgamento começa ali mesmo, no meio do deserto. Enquanto eles juram inocência, um grupo diz que eles devem ser considerados inocentes até que se prove o contrário; enquanto outro grupo já os encaminha para o enforcamento ali mesmo. Poder-se-ia dizer que é uma versão western do magistral Doze Homens e uma Sentença, pois o filme evolui principalmente pelos diálogos (ótimos) e discussões sobre culpa e inocência. Infelizmente, são apenas 75 minutos de filme, um dos poucos casos em que lamentei que um filme foi curto demais.

Um fato interessante é que Consciências Mortas não possui um único personagem principal. Este não seria Gil Carter (Henry Fonda, mais sobre ele adiante) e nem mesmo Donald, o principal acusado do assassinato do fazendeiro. Há um conjunto bem grande de personagens e todos eles têm sua voz dentro do filme, todos eles somam informações e opiniões relevantes ao caso. Mesmo que o filme possua uma duração ínfima, pode-se dizer que em sua maioria os personagens principais são bem apresentados e, mesmo que não fiquemos sabendo muito sobre eles, a sensação que se tem é a de que eles são personagens completos. Há alguns sub-enredos dentro do filme e todos eles são interessantes.

Aqui, Henry Fonda novamente interpreta o que poderíamos chamar de mocinho (embora o filme não seja exatamente sobre mocinhos e vilões, é muito mais rico do que simplesmente isso). Seu personagem, Gil Carter, esbanja caráter e sem fazer muito esforço, conquista facilmente a audiência. Sua interpretação, mesmo não sendo a dona do filme, é irreprochável. E com relação a ele vem uma das grandes discussões qualitativas do filme. Algo que faz com que muitos não considerem este uma obra-prima: a personagem Rose (Mary Hughes) é citada por Gil no início do filme, depois aparece em uma cena deslocada no meio dele e depois nunca mais ouvimos falar dela, como se fosse uma fantasma. Muitos consideram este o calcanhar-de-aquiles de Ox-Bow Incident. Realmente, a personagem poderia ter ficado de fora da edição final do filme, mas de certa forma ela traz a história de volta à normalidade, situando o filme em nosso mundo. No cenário desértico, é muito fácil perder o foco. Rose traz alívio momentâneo à jornada de ódio daqueles homens e serve para tornar o personagem de Gil mais rico e misterioso.

O filme segue até seu fim quando recebe uma moral esmagadora. Um tanto quanto previsível, mas absolutamente perfeita, coroando a direção de William A. Wellman. E além de todo o aspecto humano do filme, Consciências Mortas funciona como um suspense maravilhoso, de tensão perfeitamente crescente. A dúvida é: o trio liderado por Donald Martin assassinou ou não o fazendeiro? A dúvida persiste até o final pois, para cada ação que indica a inocência deles, há outra logo em seguida que coloca em dúvida a sua palavra. Tecnicamente, destaca-se a fotografia primorosa, com cenários surrealistas (ajuda a passar esta sensação a gravação em estúdio, com cenários pintados à mão), que trazem uma sensação de calafrios. O deserto à noite em meio à vegetação peculiar torna algumas cenas visualmente expressivas.

Consciências Mortas é um grandioso exemplar dos gêneros western/drama. Do primeiro, possui os homens brutos e o cenário desolador; do segundo, possui a análise do que o título brasileiro sugere: a consciência do ser-humano, aqui, para alguns, totalmente morta. É uma pequena grande pérola que hoje é difícil de encontrar, que pelo seu teor obscuro acabou virando um clássico de segunda ou mesmo de terceira grandeza apenas. Mas não há enganação, o filme é tão grande quanto os grandes do seu gênero,ficando em um nível semelhante a Matar ou Morrer, de Fred Zinnemann. Por tudo isso, este é um trabalho absolutamente recomendável para os amantes da sétima arte.

Comentários (2)

Camila C | terça-feira, 20 de Dezembro de 2011 - 08:47

É interessante, Koball, porque ontem assisti a esse filme no TCM e na crítica de Rubens Ewald Filho, ele fala exatamente que uma obra tão maravilhosa como essa foi esquecida. Acredito que ambos estejam certos, porque é um filmaço! Uma pena que não tenha sido reconhecido ao longo do tempo pelo público como outros westerns.

mateus souza junqueira enout | terça-feira, 20 de Outubro de 2015 - 14:13

O filme é realmente muito bom, uma coisa que eu destacaria são os personagens do major Tetley e seu filho, a relação dos dois é muito interessante e a conclusão desta é fantástica.

Faça login para comentar.