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Críticas

Cineplayers

Blá, blá e mais um pouco de blá.

3,5

O Conselheiro do Crime (The Counselor, 2013) é um verdadeiro mistério da natureza. Trata-se de um filme criado e realizado por pessoas de inegável talento: um dos diretores mais consagrados da história do Cinema, responsável por grandes clássicos lembrados até hoje; um roteirista considerado um dos grandes escritores vivos, cujas obras literárias acumulam prêmios e elogios da crítica; e um elenco irrepreensível, com alguns dos maiores nomes da indústria. No entanto, em algum lugar do caminho, algo aconteceu e essa união de talentos – que, no papel, deveria ter sido infalível – simplesmente não encontrou a sinergia necessária para funcionar de maneira adequada. As expectativas se tornaram uma imensa decepção.

Dirigido por Ridley Scott a partir do roteiro de Cormac McCarthy, O Conselheiro do Crime é um verdadeiro equívoco do início ao fim (a começar pelo nome nacional, mas aí já não se pode culpar os realizadores). Logo em seus primeiros minutos, o filme já apresenta suas cartas ao espectador, em duas longas cenas nas quais os personagens falam sem parar, de forma vazia e sem nada a dizer. A sequência entre Michael Fassbender e Hitl... Bruno Ganz é sintomática: os dois atores envolvem-se em uma longa conversa sem sentido sobre diamantes, com diversas frases pretensiosas que deixam claro o fato de que o filme vai se supor mais inteligente do que realmente é (“As pedras têm seu próprio conceito sobre si”, sério?). Ridley Scott perde a atenção de seu público logo aí, e não a recupera até duas horas depois, quando as luzes finalmente se acendem.

Essas intermináveis digressões sobre o nada e o menos ainda, disfarçadas de reflexões existencialistas sobre a natureza do ser humano, repetem-se por toda a produção. Frases como “Não se conhece alguém até saber o que ele quer”, “A vida é estar na cama com você, o resto é espera” e “A verdade não tem temperatura”, apenas para citar algumas, podem até soar interessantes quando lidas, mas simplesmente não se encaixam no roteiro e naqueles personagens. A impressão que fica, na verdade, é a de que os longos diálogos de O Conselheiro do Crime poderiam funcionar muito bem em um livro, porém surgem apenas pretensiosos e nada orgânicos em um filme, como se cada uma daquelas pessoas encarnasse o Arquiteto de Matrix Reloaded (idem, 2003) – vale lembrar que McCarthy sempre foi um romancista, não um roteirista, e as dificuldades dessa transição ficam claras no resultado visto em tela, assim como também ocorreu no telefilme The Sunset Limited (idem, 2011).

Aliás, essas dificuldades também podem ser estendidas às demais questões do roteiro, tanto em relação ao desenvolvimento dos personagens quanto à própria trama em si. O primeiro caso, na verdade, é praticamente nulo. Nenhuma daquelas pessoas surge como se fosse alguém interessante, de carne e osso, com personalidade e suas motivações bem definidas. Todos entram e saem do filme da mesma forma que iniciaram: como verdadeiros estranhos à plateia, que não consegue estabelecer qualquer forma de identificação emocional com eles. São personagens de cartolina, ocos, que parecem inseridos na trama sem propósito algum a não ser discorrer os extensos diálogos criados por McCarthy.

Talvez seja leviano, porém, afirmar que os personagem são inseridos na trama sem propósito algum quando ela mesma é repleta de problemas. A estrutura adotada pelo roteirista e por Scott não deixa de ser, de certo modo, interessante e ousada, conscientemente evitando entregar ao espectador uma história mastigada e com tudo em seu lugar. É algo semelhante ao que os irmãos Coen fizeram em Onde os Fracos Não Têm Vez (No Country for Old Men, 2007), onde as informações fornecidas eram apenas as necessárias e a plateia era convidada a completar as lacunas e a entender o significado por trás daquilo tudo. Aqui, porém, as informações não são suficientes e, para piorar, são entregues de forma enfadonha e pretensiosa, fazendo de O Conselheiro do Crime um filme simplesmente confuso, praticamente impossível de ser acompanhado. Afinal, qual o papel de cada um na história? Como funcionava todo o processo? Quem era cada um dos personagens e por que decidiram entrar naquilo tudo?

Se peca em questões mais básicas como estrutura narrativa e construção de personagens, não há muito o que esperar em relação ao significado da história. A presença dos leopardos, por exemplo, justificada tematicamente no discurso final de Cameron Diaz, tenta trazer ao filme alguma reflexão sobre o ser humano como um caçador, enquanto outros momentos buscam levantar questões sobre ganância e a consequência de nossas escolhas. Porém, tudo é tratado de forma superficial e desconexa, em um caos narrativo que arruína também as possíveis metáforas presentes em O Conselheiro do Crime. Personagens aparecem e desaparecem sem o menor objetivo (Dean Norris? John Leguizamo? Quem diabos era aquele homem com quem Fassbender teve uma longa e pernóstica conversa pelo telefone no terceiro ato?), cenas embaraçosas se revelam totalmente descartáveis (Diaz se confessando) e a verborragia vazia domina cada segundo da produção.

Como se não bastasse, Ridley Scott parece conduzir tudo no piloto automático, como se já estivesse com a cabeça em seu próximo projeto – ou, quem sabe, ainda sofrendo com a morte de seu irmão Tony. Não há a menor tentativa de estabelecer uma lógica visual ao filme, algo que é característico do diretor, e ele sofre para realizar as cenas que envolvem longos diálogos, cansando o espectador assim que o primeiro personagem expele uma frase de auto ajuda que poderia muito bem ter sido escrita por Paulo Coelho. O grande problema de O Conselheiro do Crime não é a presença das extensas conversas, mas sim o fato de que as palavras de McCarthy soam falsas e Scott não consegue torná-las interessantes – a termos de comparação, vale lembrar o recente Lincoln (idem, 2012), no qual Steven Spielberg deu uma aula de como filmar diálogos.

Nem mesmo o estrelado elenco consegue salvar O Conselheiro do Crime. Prejudicados pelo material fraco, atores do calibre de Michael Fassbender, Javier Bardem e Brad Pitt nada podem fazer, perdidos em meio ao caos narrativo de um filme bagunçado, pretensioso e, acima de tudo, enfadonho.

Romance? Thriller? Suspense? Ação? Erótico? Alguns filmes conseguem ser de tudo um pouco, outros não.

O Conselheiro do Crime, mesmo com todo o talento envolvido, faz parte do segundo grupo.

Comentários (12)

Tom Ripley | domingo, 02 de Fevereiro de 2014 - 17:13

\"Romance? Thriller? Suspense? Ação? Erótico?\". Se não entendeu o filme admita, pronto!
O autar da crítica realmente não deve ter gostado do filme porque esperava uma comédia pastelhão ou um filme de ação estilo \"Selvagens\" de Oliver Stone que é diga-se de passagem uma peça fantasiosa sobre o mundo do tráfico de drogas! Ridley Scott constrói uma peça cruel e realista sobre as consequências e o destino trágico que a camada do meio da pirâmide do tráfico enfrenta na rotina de sua perigosa profissão de risco. Nota 8, Ridley dificilmente erra a mão, já a critica...

Samuel Otávio | terça-feira, 01 de Julho de 2014 - 13:12

Filme estiloso, denso, bonito. Que cena é aquela da Cameron Diaz transando com o carro, minha genteee?! Adorei!

Rose Maioli | quarta-feira, 11 de Novembro de 2015 - 13:45

Concordo com o crítico, o filme é vergonhoso, cheio de pontas soltas. É como mastigar uma comida e não entender o gosto que se sente... eu cuspi fora, muito ruim!

Davi de Almeida Rezende | sábado, 28 de Dezembro de 2019 - 09:39

Pq Scott aceitou fazer essa merda que ele próprio sabia que seria uma bosta, não sei. Pois não tem como imaginar ele lendo o roteiro pavoroso e acreditando que ficaria bom. Os diálogos são absurdamente constrangedores! A explicação seria o cachê, idem em relação aos atores/atrizes. Na verdade vez ou outra ele filma merda. Sobre o "roteirista", o cara tentou surfar na obra do livro que deu origem ao Onde Os Fracos Não Têm Vez e a merda passou.

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