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Críticas

Cineplayers

A grandiosidade que escorreu pelo ralo.

3,0

Desde os primeiros minutos de Coração de Tinta – O Livro Mágico, dava para perceber a pretensão da New Line em fazer algo grandioso: uma seleção invejável de talentosos nomes do cinema atual (Brendan Fraser, Paul Bettany, Helen Mirren, Andy Serkis, etc), uma temática fantástica baseada em uma obra alemã de sucesso, uma grande batalha final, poderes colossais, acontecimentos fabulosos... Só que, quando essas grandezas não são bem administradas, o trabalho se torna esburacado e tedioso. E foi exatamente isso que Iain Softley ofereceu: depois de despontar com boas obras como Backbeat: Os Cinco Rapazes de Liverpool e K-Pax - O Caminho da Luz, escorregou com o terrível A Chave Mestra e este novo longa, deixando uma certa dose de desconfiança para seus futuros trabalhos.

Visto para ser uma trilogia, dependendo do sucesso deste (que, particularmente, duvido que sigam em frente com os outros dois), conta a história do restaurador de livros Mo Folchart (Fraser), um pai solteiro que viaja com a filha Meggie (Eliza Bennett) através das mais obscuras livrarias do país, procurando não sabemos bem o que. Só que Eliza não sabe que seu pai guarda um poderoso segredo: ele é capaz de tornar viva qualquer coisa que ler nos livros, com um pequeno efeito colateral – para cada coisa que sai dos textos, uma da vida real deve entrar. E, nesse balanço natural da magia, uma poderosa ferida é feita em Mo.

Tudo se complica quando é revelado que Capricórnio (Andy Serkis, o Gollum e o Kong) rapta a família Folchart, com propósitos sombrios para o dom de Mo. Planejando enriquecer e trazer à Terra seu amigo literário “Sombra” (uma criatura em um nível impressionante de CG), toda uma salada de frutas é criada em torno dessa premissa: há o perdido Dedo Empoeirado (Paul Bettany), que consegue manusear fogo como brinquedo e tenta, a todo custo, voltar para seu mundo; há o autor do livro, Fenoglio (Jim Broadbent), que se maravilha com tudo o que ele “criou”; há Elinor Loredan (Helen Mirren), uma senhora colecionadora de livros que acaba se identificando com todo aquele mundo de palavras vivas; há o homem que fazia a leitura mágica dos livros antes de Mo, enfim, uma série de personagens onde apenas dois ou três são bem aproveitados. E, mesmo assim, não sem antes destruir as ideias construídas nos atos anteriores.

Antes de tudo, o filme não consegue prender em nenhum momento. Mesmo com inúmeras referências a obras clássicas (até a espada de Rei Arthur e o Totó de O Mágico de Oz fazem uma ponta), não há encantamento com o que vemos. Superficial e brega, não conquistar o público é um pecado muito grave em um filme que depende da identificação desse para que a fantasia funcione. Outro ponto importante negativo é que, aí já não sei se é problema do livro ou da adaptação, muita coisa idiota acontece, e outras querendo ser “grandiosas” (de novo essa palavra) tornam-se ridículas perante a veracidade construída ao longo da lógica interna do filme.

O número de buracos no roteiro é tão grande que fica simplesmente impossível levar a sério as ações que estão acontecendo. O final é tão absurdo, mas tão absurdo, que contradiz tudo o que é dito durante todo o filme. E sugiro que não leiam a partir daqui aqueles que não o assistiram: lembrando que um personagem não pode aparecer sem que outro suma, do nada a jovem Meggie acha a solução mais fácil para resolver todos os problemas em que os personagens se encontravam: escrever. Isso é absolutamente ridículo. Se, desde o início, a solução para tudo era simplesmente escrever e depois ler, não existiria conflito nenhum no filme. Capricórnio está enchendo o saco? Mo faria um texto e acabaria com ele. Mo sente falta de sua mulher? Fácil, faz uma nota e traz ela de volta. Dedo Empoeirado quer voltar pra casa? Moleza, não é?

É uma pena que a história utilize dessas soluções apenas quando lhe convém; depois de criar algo que parece impossibilitar uma solução viável para a trama, acaba apelando para absurdos para resolver tudo o que está se passando com os personagens. Reforço mais uma vez: não li a obra original, então não estou julgando seu valor literário, apenas comento os erros imperdoáveis contidos na adaptação de Coração de Tinta. É tudo tão sem sal, tão superficial, tão broxante que meu queixo ficou até vermelho de tanto tempo que passei com a cabeça apoiada na mão. De tédio. Pelo menos os efeitos especiais são fantásticos e as locações maravilhosas. Ainda assim, não foram colírio suficiente para tudo de ruim que estávamos assistindo.

O público parece que felizmente está abrindo os olhos para essas adaptações mal feitas que Hollywood tem trazido nos últimos anos, fazendo fãs passarem vergonha e dinheiro ser disperdiçado a toa. Eles parecem atirar para todo lado, afim de descobrir um novo O Senhor dos Anéis, Harry Potter ou Piratas do Caribe. Mas para cada um desses, há inúmeros equívocos como esse perdidos por aí.

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