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Críticas

Cineplayers

Lançada em 1998, fita aposta, sem muito sucesso, na força do seu elenco para atrair a atenção do público.

5,0

Ao mesmo tempo que o teatro é o palco exclusivo do ator, o cinema é, antes de tudo, o espaço artístico do diretor. É lá que ele conta sua história, apresenta suas versões de um fato, conduz a atenção e a emoção do espectador, acelera ou reduz a ação de acordo com sua conveniência, extrai de seus atores a interpretação que melhor se amolde a determinado personagem etc. No campo cinematográfico, a figura do cineasta se aproxima muito de um administrador de empresas, na medida que ele passa grande parte do tempo de filmagem resolvendo conflitos, tomando decisões, assumindo responsabilidades, todas elas em coerência com a visão artística que se possui do roteiro. O resultado final da obra espelhará, invariavelmente, a personalidade de seu comandante.

No entanto, paralelamente a esta espécie de filmes, existem outros em que os verdadeiros astros são aqueles que ficam à frente das câmeras, e que, a rigor, deveriam exercer o efetivo fascínio do cinema: os atores. Seja porque a história privilegia a relação interpessoal dos personagens e não os espetáculos pirotécnicos dos efeitos especiais e movimentos de câmera, ou por absoluta falta de personalidade do diretor, o fato é que algumas fitas nos atraem exclusivamente pelo glamour das estrelas. Por causa delas nos forçamos a permanecer duas horas diante do telão para acompanhar seus rostos. É neste rol de filmes que eu classifico Corações Apaixonados.

O roteiro aborda, mais um vez, uma semana da vida de vários personagens, na Los Angeles atual, e que, num determinado ponto do filme, se interligam de alguma forma ou de outra. São ao todo, seis histórias, todas elas tendo como tema principal, essencialmente, a dificuldade dos relacionamentos, da entrega, de se assumir um novo amor. A principal delas – não especialmente a melhor – talvez seja a de Paul (Sean Connery), homem já de meia idade, atingido por um tumor no cérebro, casado há mais de 40 anos com uma apresentadora de um programa de culinária, Hannah (Gena Rowlands), que está lhe cobrando explicações sobre uma suposta infidelidade de muitos anos atrás. Abaixo desta, desenvolvem-se as tramas de três mulheres, todas elas em busca de uma espécie de príncipe encantado: a mais jovem e louca delas, Joan (Angelina Jolie, a melhor performance do elenco), tentando seduzir um rato de discoteca, o estranho e misterioso Keenan (Ryan Phillippe, repetindo, aqui, o seu estilo “caras e bocas”). A diretora de teatro Meredith (eficiente participação da gordinha Gillian Anderson e que, infelizmente, será eternamente conhecida pela sua participação no seriado Arquivo X) luta para não entrar de cabeça no relacionamento com o arquiteto Trent (Jon Stewart, na vida real, uma espécie de John Letterman do segundo escalão). E Gracie (a sempre bonita Madeleine Stowe, antes da bateria de plásticas e aplicações de botox que lhe deformaram o rosto – vide Fomos Heróis), a esposa infiel que se envolve com o também casado Roger (Anthony Edwards). Além disso, o filme desenvolve mais um personagem na figura do patético Hugh (Dennis Quaid, um bom ator mas que nunca chegou a engrenar), cujo passatempo é contar mentiras sobre sua vida para estranhos. Por último, há a relação entre Mildred (Ellen Burstyn) e seu filho aidético Mark (Jay Mohr), à beira da morte.

Talvez a principal falha de Corações Apaixonados seja seu excesso de histórias (defeito do qual também se ressente o "simplesmente bonitinho" Simplesmente Amor). Se antes o “estilo Robert Altman”, de passear com a câmera por entre diversas pessoas, relacionadas entre si por parentesco ou afinidade, podia ser considerado original, atualmente ele já demonstra sinais de cansaço (muito embora, sempre haverá um Magnólia e um Crash – No Limite para nos desmentir). Ainda mais quando as tramas não são particularmente interessantes. Todas elas são variações do mesmo assunto, e não trazem qualquer observação nova sobre o tema. Os protagonistas estão passando por momentos difíceis das suas vidas, especialmente no campo sentimental, e lutando, como qualquer ser humano para encontrar a outra cara metade. Nem que por tentativa e erro, é evidente que eles acabam achando. Ao final, como que num passe de mágica, todos os conflitos são resolvidos e as histórias se concluem da forma agradável para todos os envolvidos. Nós, espectadores brasileiros, somos metralhados há anos, todos os dias, com essa mesma estrutura narrativa, através das novelas da televisão. E não duvido nada que, em termos de folhetim, somos mais adiantados.

Falar sobre o amor e a eterna busca do parceiro ideal é tarefa das mais difíceis. Sendo tema tão abrangente e universal, é necessário que se imprima à obra um ponto de vista diferenciado, original, que a retire da vala comum das produções baratas. Tudo é uma questão de enfoque: se se decidir dar um tratamento bem humorado e leve à trama, que se recheie o roteiro de observações espirituosas e desinteressadas sobre o assunto. É certo que o filme pode não resultar num retrato dos mais ambiciosos, mas é tudo por causa da proposta inicial – e o público vai perceber. De outro lado, se se pretende discutir profundamente o sentimento da paixão, deve-se partir para um tom mais sério, investigando e colorindo em detalhes as personalidades de cada personagem. Por último, se a intenção não é nem ser denso ou muito menos bem humorado, mas apenas romântico, que invista na química dos protagonistas, numa boa trilha sonora, e no clima entre o casal central.

No primeiro caso, lembro de fitas como Harry e Sally – Feitos um Para o Outro (um primor de roteiro); Noivo Neurótico, Noiva Nervosa (saudades do Woody Allen de antigamente); e Esqueça Paris (despretensioso mas extremamente simpático trabalho de Billy Cristal), todas elas excelentes comédias, que primam pela inteligência dos diálogos e fineza do humor. No segundo, aponto Cenas de um Casamento (o dilaceramento da alma típico de Bergman); Crimes e Pecados e Maridos e Esposas (mais dois ótimos Woody Allen – Woody, por onde você anda?), grandes filmes, que vão bem além do que meros passatempos ligeiros. Na última  situação, cito Desencanto (clássico romântico de David Lean) e As Pontes de Madison (o início do amadurecimento do Clint Eastwood, confirmado posteriormente em Menina de Ouro). Todos estes projetos conseguiram o feito de se distinguir num terreno já bastante explorado dos filmes de amor.

Corações Apaixonados, infelizmente, não se encaixa em nenhum dos três casos acima.

Em suas seis histórias paralelas, o filme não é gozado, nem particularmente romântico. Seus personagens principais estão sempre tateando no escuro, com receio de ingressar em novos relacionamentos, ou discutindo problemas do passado. O roteiro não abre espaço para qualquer momento mais leve ou que o espectador possa se descontrair. A vida daquelas pessoas parece séria demais – ou talvez haja uma superestimação dos problemas – para que o espectador se sinta atraído a acompanhar o desenrolar das ações.

Gillian Anderson, por exemplo, passa o filme inteiro tentando resistir às investidas de Jon Stewart, com medo de se envolver. Seu personagem leva a vida de forma tão pesada, que se eu fosse o seu pretendente já teria desistido há muito mais tempo. Sean Connery tem sua participação limitada às explicações que lhe são cobradas pela sua esposa Gena Rowlands, sobre um suposto caso de infidelidade não consumado de muitos anos atrás. As discussões são intermináveis e, mais um vez, os protagonistas potencializam o problema, quando o mais natural, num casal maduro como aquele, seria relevar as escolhas e fraquezas do passado, e rir das suas próprias vicissitudes. Talvez seja esta a razão pela qual considero a história de Joan e Keenan a melhor delas, já que ela é a única que não se leva muito a sério, em que os personagem brincam e convivem com suas próprias desgraças.

Mesmo se considerarmos que o filme não pretende edulcorar as histórias, mas sim mostrar a realidade como ela é, Corações Apaixonados falha. As duas interseções no roteiro sobre a AIDS, soam falsamente profundas. O personagem de Jay Mohr, combalido pela doença, não influencia em nada as outras histórias. Ele podia estar acometido de caxumba, poliomielite, ou sarampo, que tudo permaneceria como antes, o que me dá a impressão que a opção da AIDS feita pelo roteiro tem um tom de “vamos aproveitar a doença do momento”. A mãe, interpretada por Ellen Burstyn, depois do evento trágico, fica sem função no contexto. A trama pilotada por Dennis Quaid é totalmente desnecessária (ainda que se revele, ao final, sua relação com as outras histórias), e torna o filme mais lento do que deveria.

E o mais impressionante de tudo é que, apesar desses superproblemas, todos os casais conseguem, afinal, resolver seus impasses no período recorde de apenas uma semana, vivendo daí felizes para sempre. Pelo jeito, os conflitos não eram tão acentuados como eles imaginavam.

O filme era para ter recebido o título original de Dancing About Architeture, trecho extraído da frase falar sobre amor é a mesma coisa que dançar sobre arquitetura, pronunciada antes dos créditos pelo personagem de Jolie. A intenção seria passar a idéia de que tentar explicar o amor com palavras é tão impossível quanto abordar arquitetura através da dança. O artifício não foi avante, pois os executivos ficaram com medo de que o público confundisse o filme com uma já esquecida fita estrelada chamada Dança das Paixões (Dancing At Lughansa), estrelada por Meryl Streep e lançada mais ou menos na mesma época.

Apesar deste receio infundado, os produtores não titubearam em entregar a direção a Willard Carrol, também autor do roteiro. Carrol tem um trabalho mais consistente como roteirista de desenhos animados lançados diretamente no mercado de vídeo e produtor de séries da televisão americana, o que talvez explique o resultado final com cara de novela das oito. Sua filmografia se limitava a apenas uma obra, completamente desconhecida, realizada no início da década de 90. Nem mesmo a boa recepção que Corações Apaixonados teve da crítica americana em 1998, fez com sua carreira deslanchasse. Após esta empreitada, Carrol voltou ao seu cotidiano, produzindo e escrevendo exclusivamente para a TV.

Com isso, volto à idéia inicial, esboçada no primeiro parágrafo desta crítica: a escolha de um cineasta não habituado ao meio cinematográfico e a aposta das fichas exclusivamente nos atores, me leva a concluir, mais do que nunca, que o cinema, como arte, é o palco dos diretores, que têm a função e a obrigação de tentar contar uma história – ou seis – da forma mais cinematograficamente interessante possível. Um talento atrás das câmeras é capaz de salvar um roteiro cheio de furos ou um elenco não homogêneo. O contrário, em que pese o esforço e magnetismo dos atores, pode originar obras que não permanecem na memória dos espectadores. Corações Apaixonados, infelizmente, encaixa-se neste último exemplo.

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