Saltar para o conteúdo

Críticas

Cineplayers

A guerra interior de todos e de cada um.

8,0

O cinema de David Ayer é bastante peculiar. Inicialmente apegado ao gênero policial, o diretor sempre optou por levar seus personagens melancólicos e repletos de angústias para o meio de cenários violentos e extremistas, onde as únicas opções são matar ou morrer, e em meio a tudo isso, os conflitos internos de cada um vão adquirindo novas proporções. Foi assim com Tempos de Violência, Os Reis da Rua e Marcados Para Morrer, filmes densos que, em meio a um gênero já também carente de ideias, buscavam trazer olhares diferenciados e até intimistas sobre seus personagens.

Com Corações de Ferro, Ayer leva este seu cinema quase experimental a um novo patamar. Ignorando pela primeira vez as tramas policiais, ele volta no tempo e nos ambienta durante a Segunda Guerra Mundial, um outro subgênero que, após grandes produções como A Lista de Schindler ou O Resgate do Soldado Ryan (como todos sabem, ambos de Steven Spielberg), pareceu fadado a encontrar dificuldades na retratação sobre o horror da guerra e seu efeito devastador sobre os que participam dela, direta ou indiretamente. Ayer então minimaliza seu olhar, e mantém o foco num pequeno seleto de personagens, onde mais do que se aprofundar no efeito psicológico e emocional da guerra sobre estas personas, temos também um discurso quase poético sobre a defesa da própria honra em meio ao horror.

Neste caso, o time é formando por rostos e personalidades completamente distintas entre si, e eles são os soldados Wardaddy (Brad Pitt), Boyd Swan (Shia LaBeouf), Grady Travis (Jon Bernthal), Triny Garcia (Michael Peña) e o novato e religioso Norman Ellisson (Logan Lerman). Deslocando-se no interior de um tanque intitulado Fury (que dá nome ao título original do filme), os soldados partem em uma missão nos territórios alemães,  enquanto divergências vão surgindo entre si conforme as situações enfrentadas durante o sangrento percurso vão assumindo proporções cada vez mais trágicas e sufocantes.

De fato, o próprio tanque funciona como uma metáfora da sensação de claustrofobia e angústia que Ayer constrói em cima de seus personagens. Ao manter seu foco numa linha direta, o roteiro (também assinado pelo diretor) não se limita a incontáveis sequências de tiros e explosões e bombas, mas elabora uma história que não vilaniza apenas um lado, mas sim humaniza aqueles rostos que, sabemos, jamais serão os mesmos quando saírem dali.

Exemplo disto é o personagem de Logan Lerman (que deixou de ser apenas um rostinho bonito após o lindíssimo As Vantagens de Ser Invisível), que pelo fato de jamais ter estado em um campo de batalha, não consegue esconder seu medo diante de uma situação que lhe obrigará a escolher entre a sua vida ou a de outros. Possivelmente, muitos condenarão a ingenuidade um tanto excessiva do garoto, mas Ayer toma esta personalidade e a utiliza como um mote para explorar sentimentos que, possivelmente, jamais estiveram presentes na guerra: a compaixão e a esperança. E como o personagem de Brad Pitt assume uma postura menos compassiva (num perfeito contraponto ao seu Aldo Raine de Bastardos Inglórios), é extremamente válida a longa e lindamente roteirizada sequência na casa de uma mulher alemã e sua filha, onde Ayer não economiza na romantização, e justamente por isso, consegue trazer ao seu filme um toque ainda mais  humano sobre aquilo que se perde na guerra. Quem apontar a cena como um momento irreal não estará errado, mas os objetivos de Ayer são outros, entre eles buscar um sentimento de humanidade que se perde conforme corpos e sangue vão manchando o caminho dos soldados. Corações de Ferro é uma história fictícia sobre o tema e, portanto, possui liberdade suficiente para que o diretor experimente estas opções narrativas, desde que as mesmas consigam adicionar algo para a experiência. E felizmente, o consegue.

Mesmo dedicado a explorar o lado mais humano da história, o diretor não economiza na intensidade das sequências de ação, que não apenas são viscerais e impactantes, mas também alcançam um nível de técnica belíssimo, dando destaque para o excelente trabalho de mixagem de som, que nos permite quase sentir as balas zunindo por cima de nossas cabeças. A belíssima plasticidade de tais cenas também é ressaltada pela fotografia cinzenta de Roman Vasyanov, que captura muito bem a imensidão e o vazio dos campos de batalha, e a trilha sonora de Steven Price, que evoca sentimentos épicos de grandiosidade, mas sem jamais se sobrepor ao trabalho de construção climática do diretor.

Pecando somente num desfecho de soluções clichês e pouco condizentes com o que fora mostrado até ali, Corações de Ferro é uma realização competente e até ambiciosa de um diretor que sabe como tratar a história e seus personagens. Não estará no hall dos grandes filmes sobre o horror da guerra como Apocalypse Now ou Glória Feita de Sangue, apenas ara citar dois exemplos, mas é certamente uma realização notável de David Ayer sobre o tema.

Comentários (7)

Lucas de Melo Silva | sexta-feira, 20 de Fevereiro de 2015 - 00:21

Você achou patriota? Esse é um dos filmes de guerra menos maniqueísta que eu já vi! O final deixa isso claro! Achei excelente.

Lucas Nunes | domingo, 04 de Outubro de 2015 - 11:42

O filme estava muito bom, mostrando a violência crua da guerra com boas cenas de ação, mas o terceiro ato é desastroso ao tentar mostrar o heroismo dos homens de Collier que não convence.

Cinellas | terça-feira, 05 de Julho de 2016 - 13:11

Achamos que o filme tinha tudo pra dar certo, mas graças aos clichês que estamos mais que cansados de ver e o final previsível, Corações de Ferro foi apenas mais do mesmo. Uma versão menos interessante de Bastardos Inglórios.

Também fizemos uma crítica de Fury em nosso site.
http://cinellas.com.br/2016/07/05/coracoes-de-ferro/

Abraços e sucesso!

Faça login para comentar.