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Críticas

Cineplayers

Charme de sobra e técnica perfeita fazem do filme um ótimo programa.

8,0

A responsabilidade era grande. Depois de fazer dois bons trabalhos em animação, O Estranho Mundo de Jack e James e o Pêssego Gigante, e pisar na bola justamente em um filme de carne e osso (Monkeybone – No Limite da Imaginação), o diretor estadunidense Henry Selick tinha que acertar com Coraline e o Mundo Secreto. A história é sobre Coraline Jones, uma jovem de apenas onze anos que não está se adaptando bem à nova casa, tanto pela saudade dos amigos quanto pela solidão, já que os pais vivem trabalhando e ela não tem pessoas com quem passar o tempo. Isso dura até o dia em que acha, em casa, uma porta escondida que a leva até um mundo alternativo, onde sua família é perfeita, faz todas suas vontades, tudo é mais colorido, mágico e tentador.

Os botões nos olhos de cada personagem do mundo alternativo são bem significativos, mas muito mais do que isso, criam o clima aterrorizante que a história deseja passar. Se costumo dizer que as animações têm sido mais direcionadas ao público infantil, deixando os pais meio que de fora de toda a diversão, dessa vez é o contrário: eles sairão felizes das salas de cinema, enquanto seus filhos, principalmente os mais novos, poderão sentir um certo desconforto com o que foi visto. Segue mais ou menos a tendência de A Casa Monstro, porém superior em todos os aspectos.

Algo que surpreende positivamente é a preocupação com os detalhes na hora de compor o que estamos vendo, e não digo isso da parte técnica. Perceba nos pais de Coraline, por exemplo: enquanto a mãe vive mal humorada (“ganham para escrever sobre planta e odeiam terra”), é possível perceber que ela sustenta a casa enquanto o pai da família vive o sonho de realização pessoal e profissional - fixe no detalhe: ela usa um laptop, ele um computador ultrapassado, daqueles que só escrevem em verde. Essa insatisfação reflete na vida da filha, que prontamente fica encantada com a boa recepção e comida do outro lado da portinha mágica.

Compondo os demais personagens, temos o estranho e retraído Wybie, que ganha a antipatia de Coraline por ficar seguindo-a, e sua versão alternativa é uma das mais assustadoras, pois dá vida ao que todo mundo já fez um dia: pensar mal de alguém que cruza em nosso caminho (“é assim que você queria que ele fosse!”). Os animais transbordam carisma, desde o gato preto (peça importante para a história) até os cachorros (eu iria dizer algo sobre eles, mas prefiro deixar em segredo para a surpresa de vocês, mas aviso desde já, eles são hilários), passando pelos camundongos e as tenebrosas ratazanas.

Os outros três personagens da trama, duas velhinhas ex-artistas, que hoje vivem a saudade do sucesso, e Bobinsky, um treinador de circo mal sucedido e sonhador, representam, em conjunto com os demais personagens, um fator em comum: a solidão - e a tristeza que ela proporciona, nos puxando para uma realidade que chega a assustar.

Mesmo que não tenha a genialidade do roteiro de Wallace & Gromit: A Batalha dos Vegetais, o stop motion (técnica de filmagem quadro a quadro) utilizado aqui é impressionante, mostrando uma óbvia evolução. Ainda que truncado em um momento ou outro (que considero mais charme do que defeito), a exaustiva técnica demonstra um patamar nunca visto antes, tanto na expressão facial dos personagens quanto nos belíssimos cenários construídos artesanalmente para ambientar a história.

O 3D, pensado desde o início da produção, é usado com fins narrativos, não apenas como artifício técnico, principalmente no mundo alternativo, deixando o real mais parecido com a imagem tradicional de nossas TVs. A intenção original da equipe de produção era que a realidade devia ser vista em 2D e o alternativo em 3D, só que resolveram deixar essa idéia de lado e colocar tudo em três dimensões no produto final. Ainda assim, é perceptível o fato de que o 3D é muito mais complexo no circo deslumbrante, no teatro, na sala de jantar, no jardim de animais – tudo no mundo alternativo – do que em suas respectivas versões reais.

Tenho um pequeno problema com essas animações que se entregam à ação no fim ao invés de procurar uma conclusão um pouco mais inteligente. Acho tedioso ficar vendo o personagem correr de um lado para o outro, assustado, realizando o iminente confronto final com tudo o que foi construído antes. Não mexe comigo. Felizmente, a ação de Coraline, apesar de ser exatamente sobre isso, é um pouquinho de nada mais desenvolvida e, mesmo que tenha um irregular ritmo na conclusão (algumas passagem que duram demais, outras que são rápidas em excesso), não chega a comprometer tanto quanto no já citado A Casa Monstro.

Não é uma obra-prima e nem tão grandioso quanto outros filmes de animação, mas tem seu charme, técnica perfeita e uma história que surpreende pelo tom. Alguns clichês decrescem ao final mal desenvolvido alguns pontinhos a menos, assim como a reviravolta que não convence, mas no geral o resultado é bastante positivo.

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