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Críticas

Cineplayers

Uma versão heróica e frágil de Edgar Allan Poe.

5,0

Um dos autores que mais inspiraram filmes adaptados a partir de contos – entre eles A Queda da Casa de Usher (La chute de la maison Usher, 1928), que teve refilmagem estrelada por Vincent Price em 1960, e O Gato Preto (The Black Cat, 1934) – ganhou um filme ficcional com traços biográficos. Edgar Allan Poe surge no cinema para solucionar crimes cometidos por um potencial fã, fazendo vítimas de acordo com as histórias do escritor. Com arma em punho e até mesmo montando a cavalo em perseguição, – seu famoso personagem C. Auguste Dupin é o alter ego desta concepção cinematográfica – Poe ganha faceta de herói ao lado do Detetive Fields (Luke Evans) neste O Corvo (The Raven, 2012), frágil suspense policial banhado por literatura e história que vem angariar alguns fãs e recordar o Séc. XIX.

O romancista e poeta Edgar Allan Poe teve uma vida perturbada relacionada a perdas de entes e ao alcoolismo. Frutos para suas motivações mórbidas, inseridas frequentemente em seus contos sombrios, esses atributos de vida do seu “eu” eram inspiradores e imputavam um tom melancólico, presente na encenação de John Cusack que não oferece, em qualquer hipótese, uma grande atuação, apesar de empenhada. Pensa-se como justificativa a adequação do atual contexto. Temos vários exemplos disso. Citando um recente, a mutação do personagem de Sherlock Holmes na telona, perdendo características em favor da necessidade de atrair um outro público que não o leitor. Afinal, quantos são os espectadores de O Corvo que conhecem a vida de Allan Poe? Alguns nem mesmo ouviram falar de qualquer uma de suas obras.

Essa ficção baseada em um dos seus mais célebres contos, Os Assassinatos da Rua Morgue, é dirigida por James McTeigue, do ótimo V de Vingança (V For Vendeta, 2005). Apostando numa atmosfera gótica pela necessidade de chamar a atenção para a estética quando a narrativa não tem grande vigor, McTeigue traça um rumo captando elementos de várias obras do protagonista, como O Barril de Amontillado ou A Máscara da Morte Rubra, entre outros citados. Não há qualquer força ou finalidade justificável por ações, com personagens soltos cuja importância nula não corresponde nem para nossa gana em desvendar o mistério sugerido ou especular o assassino que vem causando terror em Baltimore.

A expectativa de que o público busque conhecer Edgar Allan Poe após conferir tal obra desaba ao final. A ficção toma conta, embora se apoie a eventos reais, como os dias finais da vida do romancista, andando à deriva pelos parques e ruas frias da cidade. Especulações por especulações, por mais raso que pareça, O Corvo é uma adaptação, uma concepção de um longa de investigação dotado de influência literária. É uma desculpa para criar um outro serial killer baseando-se em alguma coisa que ainda não tenha sido feita. Quem sofre com tal proposta é sua estrela, o saudoso escritor. Nesse ritmo, insinuando o absurdo, até Kafka poderia ganhar um filme contando sobre sua dura relação com o pai numa Praga oprimida pelo governo, enquanto converte-se num inseto e vire atração jejuando.

Concebido por diálogos rebuscados, especialmente veiculados ao seu genial protagonista, O Corvo se torna um suspense de jornal com cenas ao estilo da série Jogos Mortais. Não é uma obra que em mãos, por exemplo, de David Fincher, terminaria tão morna e esquemática. Falta ousadia. Há ainda um romance ficcional motivando a trama: a seqüestrada (Alice Eve) que Edgar Allan Poe tem que encontrar é justamente quem este ama, é aquela pela qual faria qualquer coisa. Vale como estudo de uma época, uma menção a respeito do despontamento de dois grandes nomes da literatura mundial, o próprio Poe e o francês Júlio Verne, este lembrado durante a narrativa. Moldado para ser um herói, o protagonista que ganha a face de John Cusack com cavanhaque (dispensando o bigode tradicional do original), Allan Poe é celebrado de uma maneira minúscula diante sua magnânima importância.

Comentários (6)

Vinícius Aranha | quarta-feira, 23 de Maio de 2012 - 12:10

Uma pena mesmo. Esperava coisa boa desse aqui.

Rodrigo Barbosa | quinta-feira, 24 de Maio de 2012 - 20:42

É... Desse, já vi que vou gostar sozinho.

@raissamcastro | quinta-feira, 07 de Junho de 2012 - 20:19

Um filme pra ser bom, na minha humilde opinião, tem que prender a atenção e fazer você mergulhar no enredo; sentindo o medo, o suspense, alcançar facilmente o riso (quando a isso se destina) etc. O Corvo -deixando de lado o excelente comentário do colega sobre o cénário e inspiração- por várias vezes me fez 'sair' do filme e prestar atenção na atuação dos atores, fazer indagações do tipo: "mas como pode isso?" E daí pro fim nem consegui mais vibrar com a história; era o investigador mais querendo ser herói, numa atuação às vezes forçada, uma mocinha sem o menor carisma, alta previsibilidade dos acontecimentos e, mesmo John Cusack tendo se esforçado, não achei que ele conseguiu convencer muito. E por favor me esclareçam, sério: eu não entendi qual a ligação de tantos corvos no meio de nada, senão com o nome do filme. Apesar de tudo isso, o filme não é um dos piores, meu namorado até gostou! rs. Talvez eu só tenha criado expectativas demais quanto ao filme, não é? 😉

Cristian Oliveira Bruno | segunda-feira, 25 de Novembro de 2013 - 14:08

Acho que o maior erro do filme foi usar a figura de Poe como protagonista. Talvez se ambientassem a trama algumas décadas no futuro, usando só o nome de Poe, o resultado seria melhor. Gosto de Cusack, mas não acho que ele tem talento ou carisma suficientes para encarnar uma figura tão complexa como Poe.

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