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Críticas

Cineplayers

Personagens femininas e diálogos extraídos quase intactos do livro de Don DeLillo são o melhor dessa obra que, por vezes asséptica, nem parece Cronenberg

7,0

Na sua primeira experiência com câmeras digitais, o cineasta canadense David Cronenberg aproveitou-se do tamanho diminuto, da agilidade e dos ângulos inusitados oferecidos por esses aparelhos para criar todo um claustrofóbico universo para seu novo filme, Cosmopolis (idem, 2012), distopia escrita pelo americano Don DeLillo em 2003 e roteirizada pelo próprio Cronenberg na sua adaptação às telas. Como a obra se passa quase inteiramente dentro de uma limosine, dá-se a impressão de que Cronenberg estaria de volta ao universo de Crash - Estranhos Prazeres (Crash, 1996), filme mórbido sobre gente apaixonada por defeitos físicos ocasionados em acidentes automobilísticos no qual a espuma de lavar os carros torna-se metáfora de esperma, entre outras alucinações. Mas Cronenberg está em outra bem diferente: como o foco é um jovem milionário, o diretor discute o capitalismo "por cima", na ótica dos vencedores, não a rabeira, como os estranhos seres ficcionados por acidentes com/em veículos. 

Mesmo que Cronenberg tenha deixado boa parte dos diálogos do livro intactos (o que faz  Cosmopolis ser prolixo), o diretor/roteirista mexeu no conteúdo. Talvez a maior mudança (ou a mais cruel) tenha sido a eliminação da cena de sexo entre o milionário e sua fria esposa, pois Cronenberg acredita ser, no livro, apenas um delírio do rapaz. No entanto, está lá integral a felação do mesmo com um músico, de forma que os espectadores terão a oportunidade de ver o galã Robert Pattison fazendo sexo oral em outro homem – é evidente que se trata de um 'clin d'œil' do diretor para tudo que Pattison representa hoje para suas fãs adolescentes, que o veneram como o vampiro romântico dos açucarados filmes kitsch da série Twilight.

Cronenberg parece ter caído numa armadilha. Se preservou os diálogos, são eles a força do filme, e a primeira hora, com as mulheres em cena, transcorre de maneira excepcional. Juliette Binoche lhe presta serviços sexuais no assoalho do carro, mas se recusa a vender-lhe uma coleção inteira do Rotko enquanto discutem arte. Samantha Morton, uma espécie de guru sobre o atual estágio do capitalismo, explica de maneira implacável a dinâmica dos protestos globais que hoje se disseminaram ainda mais fortemente com as mídias sociais, gerando fenômenos como o Occupy Wall Street. Mesmo a presença da enigmática mulher, uma loura gelada interpretada por Sarah Gadon, traz a tensão e o estranhamento dos antigos filmes do canadense – ela não quer consumar o casamento, arranjado, supõe-se. 

Porém, quando os homens entram em cena, o filme cai num palavrório infinito e nada, mas nada justifica o longuíssimo encontro das personagens de Pattison e Paul Giamatti, que produz um final anti-climático e arruína, em parte, o filme. Giamatti representa o oposto do jovem milionário, um loser pobretão, barbudo e gordo, prostado na frente da televisao, e que pretende matá-lo. Mas o encontro de Eric Parker com seu duplo tem o clima esvaziado pela falação ininterrupta (quase meia hora). Antes, uma constrangedora aparição de Mathieu Amalric, como o militante que disfere o tradicional discurso contra tudo que o jovem representaria – é um desses que joga torta nos outros. Talvez do elenco masculino, só a passagem do rapper e do médico não soam excessivamente alongadas – o médico fará um exame de próstata em Pattison, filmado integralmente por Cronenberg, em mais uma cena em teoria constrangedora para o ator.
 
Pattison não atrapalha o filme. Sua face impassível, sua falta de expressividade contribuem positivamente para o psiquê da personagem, um milionário que tem seu império ameaçado pela flutuação da moeda chinesa. Não atrapalha, mas também não ajuda – porém, diretor e ator anunciaram que vão trabalhar juntos novamente no próximo projeto de ambos, parece que a parceria funcionou. Ao ser analisado pelo médico, Pattison tem o corpo exposto à maneira de Cronenberg, esquisita, para dizer o mínimo, como se seu corpo estivesse infestado de algum vírus desconhecido que tanto estrago fizeram nos filmes anteriores do cineasta, e a parafernália da limosine faz lembrar os trabalhos mais físicos e elaborados do diretor, em especial os video-cassetes falantes de Videodrome - A Síndrome do Vídeo (Videodrome, 1983) ou mesmo o laboratório de A Mosca (The Fly, 1986), seus melhores filmes. O horror agora vem na forma de estatísticas, análises, armas sofisticadas, seguranças opressores, informações secretas, câmeras de vigilância, ativistas destruindo as ruas.

Enquanto sua limosine desfila com toda dificuldade do mundo pelas ruas de uma Nova York em pé de guerra, seja pelos infindáveis protestos contra o capitalismo, seja por conta de um suposto complô para matar o presidente, Eric Parker vai recebendo visitas, e o carro vai sendo destruído aos poucos. Um grupo de anarquistas propõe a substituição do papel-moeda pelo rato, o famigerado animal. Vemos tudo pelas janelas, enquanto os habitantes continuam alheios ao tormento externo. Asséptico assim, nem parece Cronenberg.

Ou melhor, é o Cronenberg de Marcas da Violência (A History of Violence, 2005) e Senhores do Crime (Eastern Promises, 2007) que se vê nessas cenas. Não há muito a discutir, pois a diarréia verbal termina por encobrir as boas ideias, muito explícitas para suscitar qualquer debate, apesar da atualidade e pertinência das questões levantadas. O niilismo faz o filme cair num vazio tal que, às vezes, se assemelha a A Origem (Inception, 2010), de Christopher Nolan. Teria melhor se quem tivesse feito Cosmopolis fosse o cineasta de Scanners - Sua Mente Pode Destruir (Scanners, 1981) ou Calafrios (Shivers, 1975): não soaria tão artificial mesmo com um conteúdo tão denso.

Comentários (19)

Luciana Stanis Faria | quinta-feira, 19 de Julho de 2012 - 14:35

Apesar da critica, estou ansiosa pelo filme! Quanto aos comentários em relação ao Robert Pattinson , acho extremamente desnecessário tantas "farpas" em cima do rapaz. Ok, ele é fraco, td bem, mas será que não tem como progredir? alguns, se baseiam no fato do mesmo fazer parte de uma saga teen , por isso estar vai estar rotulado eternamente? Vamos analisar de forma justa, e não "metendo o malho" de nem ao menos ir conferir o filme! Sem contar, que por algumas criticas internacionais ja estou vendo que o bonitinho está sendo elogiado! Parece que algumas pessoas não se lembram que muitos que hoje tem atuações maravilhosas e fazem parte de obras respeitáveis um dia tambem ja foram simplesmente a bola da vez! Sem contar que um filme de Cronenberg sempre valerá a pena conferir!

Marcus Almeida | segunda-feira, 27 de Agosto de 2012 - 11:20

Aumentou a nota também.

Felipe Ishac | terça-feira, 02 de Outubro de 2012 - 21:28

O elenco de crepúsculo é sim muito fraco, mas eles na mão de bons/ótimos diretores ficam um tanto quando decentes. Dá para notarmos o Pattinson neste filme e a Kristen em "Na Estrada".

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