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Críticas

Cineplayers

O terror nunca foi tão divertido.

9,0

A expectativa de ver tantos medalhões envolvidos em um só projeto pode ser tão alta, que sempre fica aquele receio de o negócio flopar. É essa a primeira sensação que temos ao ler a ficha técnica de Creepshow - Show de Horrores: Roteiro de Stephen King, Tom Savini na maquiagem e efeitos especiais e George Romero assinando a direção. Felizmente, a obra corresponde à altura e o resultado final é pra lá de satisfatório. O poster Americano traz a frase “The most fun you’ll ever have being scared!” (O máximo de diversão que você vai ter sentindo medo!), que resume bem sua proposta: antes de qualquer coisa, uma experiência extremamente divertida, legítimo representante do que foi o cinema de terror nos anos 80, com todo aquele climão nostálgico típico da época.

Creepshow traz de volta o formato de antologia, consagrado nos anos 70 pela produtora inglesa Amicus, e reúne diversas histórias em um só filme, ligadas por um fio condutor. O longa não é apenas uma referência a essas produções, mas também uma homenagem rasgada à EC Comics, editora que popularizou os quadrinhos de terror e ficção científica nos anos 50, influenciando toda uma geração do entretenimento fantástico, inclusive os responsáveis por esta fita. Romero e King deixam essa proposta bastante clara e em nenhum momento tentam provar o contrário. As cenas têm cores vivas e diversificadas, remetendo à estética de HQ. Nas transições entre os segmentos e em algumas cenas pontuais, vemos um efeito que transforma o filme em uma página de gibi, seguida por uma animação que vira as folhas, nos levando para a história seguinte.

O prólogo mostra um típico pai defensor da "moral e dos bons costumes" reprimindo o filho por ler a HQ "Creepshow", e a jogando no lixo depois de dar a maior bronca no garotinho. Essa cena era comum durante o auge das revistas da EC, por conta do psiquiatra Fredric Wertham que com algumas conclusões precipitadas, atribuiu o crescimento da delinquência juvenil à popularização das HQs de terror. Os pais, preocupados, iniciaram uma guerra contra a editora, que depois de tentar resistir por muitos anos, acabou tendo que ceder à pressão, e tirando as revistas de circulação e adaptando o restante para um conteúdo mais palatável.

"Dia dos Pais" inicia os trabalhos com a história de Bedelia (Vevica Lindfors), que durante um acesso de fúria, assassina o pai Nathan, um homem cruel e rabugento, responsável por mandar matar seu noivo, além de fazer de tudo para infernizar a vida da moça. Cansada após tantos abusos, em pleno Dia dos Pais, Bedelia explode de raiva enquanto seu pai fica lhe torturando para que faça um bolo, e acaba dando cabo do velho. Sete anos se passam, e Bedelia volta à sua antiga casa para visitar o túmulo de Nathan, que sai da cova, sedento por vingança e insiste em ter o seu bolo. O que vem daí pra frente não é nada bonito.

No tragicômico "A Morte Solitária de Jordy Varrill", um atrapalhado fazendeiro interpretado por Stephen King vê um meteorito cair em seu quintal. Pensando em ganhar um dinheirinho vendendo o artefato para a universidade local, Jordy tenta esfriar o meteorito com um balde d'água, e acidentalmente libera uma substância verde que faz crescer vegetação por onde passa. Decepcionado, o matuto volta para casa, e ao lembrar que entrou em contato com o líquido, percebe que seu corpo começa a se transformar em um musgo ambulante. Apesar da interpretação debochada de King, o conto passa bem a atmosfera de solidão em que o fazendeiro vive, e seu desfecho trágico deixa um tom de melancolia no ar.

Em, "Indo Com a Maré", após ser traído, um irreconhecível Leslie Nielsen (sim, aquele mesmo de Corram Que A Polícia Vem Aí) busca se vingar de sua esposa, enterrando-a na praia até que o mar suba e a mate afogada. Como se não bastasse, ele coage o amante (Ted Danson) a ficar na mesma situação, com o requinte sádico de forçá-lo a assistir a namorada agonizar enquanto a maré se aproxima. Ciente de que liquidou a charada, Nielsen volta para casa mas acaba surpreendido, em uma sequência final assustadora.

"A Caixa" conta a história do zelador de uma universidade que encontra uma misteriosa caixa, datada de 1834, debaixo das escadas. Intrigado, o homem chama o professor Dexter Stanley (Fritz Weaver) para verificar, e a dupla descobre que lá se esconde uma criatura monstruosa e assassina, que acaba despedaçando o pobre zelador, deixando um banho de sangue. Com medo de ser taxado de louco e acusado pelo crime, Dexter resolve ligar para o colega Henry, um outro professor que vive sendo humilhado e traído pela esposa, Wilma. Se aproveitando da situação, ele começa a maquinar um plano para se vingar da mulher. Apesar de um pouco caricato, esse conto é o de maior violência gráfica, e consegue dosar bem o visual quase ridículo do monstro com uma atmosfera bastante assustadora.

Finalmente, o segmento "Vingança Barata" encerra o longa, com a história de Upson Pratt, um executivo mau caráter e cheio de manias, obcecado por limpeza e com fobia de insetos, que destrata todos seus funcionários e passa por cima dos adversários, sem o menor escrúpulo. Pratt vive isolado em um apartamento especial e hermético, supostamente à prova de germes, mas que aos poucos começar a ser infestado por baratas. O homem começa a ficar obcecado em matar os insetos e vai perdendo a cabeça, até que toda a energia da cidade cai e Pratt tem uma surpresa das mais repulsivas. Esse é o conto mais famoso do filme e facilmente o mais nojento, não recomendado para quem tem fobia de barata ou estômago fraco.

Os três gigantes envolvidos no filme cumprem seu papel com louvor. Os textos de King são enxutos e muito bem amarrados, não deixando a qualidade e o nível de empolgação das histórias caírem em nenhum momento e mostrando o quanto é essencial um bom roteiro dentro do gênero de terror. O escritor conseguiu mesclar seu estilo característico com o humor negro, sarcasmo, violência exagerada, reviravoltas e aspectos mais jocosos dos quadrinhos da EC Comics. A direção de Romero é básica, mas bem segura com destaque para a ambientação, sempre em cenários corriqueiros e aparentemente comuns, e talvez por isso mesmo acrescente um tom realista às histórias, por mais absurdas que sejam. Os atores abraçam bem a proposta, passeando entre o drama e a comédia de forma natural. É incrível e bizarro ver Leslie Nielsen interpretando um personagem frio e sádico. O mestre Tom Savini brilha mais uma vez, com maquiagens impecáveis e efeitos caprichados, conseguindo deixar os monstros e criaturas com uma aparência bizarra e cartunesca ao mesmo tempo, em um visual propositalmente trash e exagerado.

Não gosto de utilizar a o clichê de que algum filme, livro ou disco é "obrigatório", mas todo fã de terror deve assistir a Creepshow, não apenas por se tratar de um ótimo e extremamente divertido representante do gênero, com tudo que ele pode oferecer, mas por ser realizado de maneira impecável por pessoas apaixonadas pela ficção de horror tanto quanto nós.

Comentários (3)

Jules F. Melo Borges | segunda-feira, 14 de Setembro de 2015 - 22:33

Um dos mais fracos do Romero.
Só o 3º e o 5º segmento são acima da média.
O 2 é particularmente ruim.

Alexandre Koball | terça-feira, 15 de Setembro de 2015 - 07:02

AMO antologias, AMOOOO. Já vi "todas", quanto mais trash e absurda a história, melhor, desde que dê calafrios.

Cristian Oliveira Bruno | terça-feira, 15 de Setembro de 2015 - 09:06

Quem estiver beirando os (ou passou dos) 30, não tem como dizer que sua infância não foi marcada por este. Baita texto. Parabéns.

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