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Críticas

Cineplayers

Conheça um dos maiores concorrentes de Cidade de Deus no circuito internacional de 2002.

7,0

Todos já devem ter ouvido, pelo menos uma única vez sequer, algum comentário a respeito do filme O Crime do Padre Amaro, uma boa produção mexicana que disputava, acirradamente, muitos prêmios internacionais com Cidade de Deus em 2002. Dirigido pelo mexicano Carlos Carrera, o filme, como todos sabem, é baseado no romance português de Eça de Queiroz, que muitos que aqui lêem essa crítica talvez já o tenham lido para prestar algum tipo de concurso, como os “vestibulares” do país afora.

O filme teve boa repercussão internacional e marcou, definitivamente, a volta do cinema mexicano (que assim como o brasileiro sofre grandes oscilações – bons e fracos períodos) ao circuito internacional (ajudado também por outras boas duas produções que o antecederam, como Amores Brutos e E Sua Mãe Também) e arrecadou, ao redor do mundo, uma considerável quantia de um milhão e oitocentos mil dólares.

A película conta a história de um padre recém-ordenado chamado Amaro que é mandado para a cidade de Los Reyes, no México, para ajudar o já idoso Padre Benito com seus trabalhos e afazeres. Benito, uma figura muito conhecida e respeitada tanto entre a igreja quanto na comunidade, apresenta a Amaro uma vida cheia de oportunidades e desafios. Logo quando chega em Los Reyes, o ambicioso Padre Amaro encontra Amélia (ou “Amelita” como é chamada no filme), uma linda menina de dezesseis anos cuja fervorosa devoção religiosa logo se transforma numa devastadora e arrebatadora paixão pelo novo padre.

Amélia, aos poucos, se vê seguindo os mesmos passos de sua mãe, Sanjuanera, que há muito tempo possuiu um secreto envolvimento com justamente o superior de Amaro, Padre Benito. O novo padre logo descobre que a “fé” e a “corrupção” há muito tempo caminham juntas nas ruas de Los Reyes: Padre Benito sempre recebeu ajuda financeira de um famoso traficante de drogas local (muito religioso por sinal) para converter os fundos em um hospital de primeiro nível, que o mesmo sempre almejara construir. Como Benito, um outro padre da diocese local, Padre Natalio, é constantemente acusado de proteger e dar assistência a tropas guerrilheiras na região rural em que trabalhara.

Enquanto tudo isso ocorre, a paixão de Amaro e Amelita eclode e toma fins catastróficos. Seria ingenuidade demais achar que ninguém iria descobrir mais cedo ou mais tarde. Entretanto, essa surpresa é toda sua, caro leitor. Ao passo que as coisas vão ficando extremamente mais complicadas na pequena comunidade, os pilares ao redor do novo padre começam a sucumbir a tamanha pressão. Dividido entre o divino e o carnal, o certo e o errado, Padre Amaro procura sempre reunir forças para superar os desafios que viria a enfrentar mais adiante.

Gael García Bernal, o ator mexicano sensação que atuou, também, nos dois filmes citados no início da crítica está bem caracterizado como padre Amaro. Entretanto, seu personagem não tem a fluidez que um padre (ainda mais recém-ordenado, convicto da escolha que acabara de fazer) deveria demonstrar e ter. Seu posicionamento a questões como o celibato e o aborto são claramente questionáveis, e a rapidez com que estes elementos são tratados no filme (dando preferência, por exemplo, ao relacionamento de Benito com o traficante) acabam por não dar uma melhor postura e características marcantes ao novo padre, personagem de Gael.

Benito está bem representado no filme também pelo ator Sancho Gracia. A ética dos “projetos” do padre e sua relação com Sanjuanera, ao meu ver, são assuntos muito melhores passados ao público, por exemplo, ao invés do relacionamento (que “supostamente” deveria ser tórrido) de Amaro-Amelia.

A pretensão da obra era grande. Não é a toa que a tagline que segue nome do filme nos cartazes é: “Um dos filmes mais controversos já feitos”. Bem, se a direção tivesse sido um pouco mais competente na focalização do romance de Amélia e Amaro (não deixando apenas transparecer a historinha “café-com-leite” de Eça de Queiroz), talvez assim o filme pudesse fazer jus ao tagline que recebera. Mas, infelizmente, a caracterização e o “psicológico” que cerca os personagens de Gael e Ana Claudia (Amelita) não contribuem para isso. A primeira aproximação ocorrida entre Amaro e Amélia é clichê toda vida... Ambos fazem aquelas caras que todos estamos acostumados a ver que expressam: “Vamos viver juntos e ser felizes para sempre”. Ironias a parte, essa aproximação poderia ser melhor construída também.

O destaque para o elenco, entre os coadjuvantes, fica por conta do ator Damián Alcázar que interpreta o Padre Natalio Pérez. Damián é bem caracterizado como um padre de uma região inóspita e, ao final do filme, até mesmo se parece muito com um dos camponeses da guerrilha (que o padre Benito acusava-o de proteger). Uma passagem em particular do filme chama muita atenção: a conversa que Amaro leva com Natalio quando o mesmo vai dar uma “triste” notícia (não vou estragar a surpresa de quem ainda não assistiu) à Natalio. A naturalidade e a forma como o personagem de Damián confronta seus problemas é posta de uma forma (ainda que “moralmente” errônea, segundo o regime que seguia) contrária (ou em contrapartida) às situações de Amaro e Benito. Natalio é o único que não se preocupa com sua condição e, por isso, acaba tendo um “final feliz”, se é que podemos assim tratar.

A fotografia da produção é boa, mas poderiam ter feito um trabalho melhor. A área pitoresca da cidade de Los Reyes poderia ter sido melhor explorada, e outros pontos como a área em que Natalio trabalhava poderia, ao menos, ser revelada em sua totalidade ao público, que não presenciou realmente o local, não tendo a dimensão do que seria a tal “guerrilha”, apenas sabendo que ela existia.

No campo da trilha sonora, O Crime do Padre Amaro traz uma boa música instrumental tema, mas ainda assim é um trabalho longe de lembrar músicas-temas famosas de produções estrangeiras como, por exemplo, a de Cinema Paradiso, perfeita.

Finalizando, O Crime do Padre Amaro é uma boa produção de 2002, que teve seu reconhecimento na crítica. É um filme que poderia de diversas maneiras ser melhor explorado, contudo, do jeito que foi apresentado, também ficou muito bom. Não deixem de conferir o novo trabalho de Gael Garcia Bernal.

Atenção: Leia os Próximos Parágrafos Apenas se Já tiver assistido ao filme.

Como havia comentado previamente, os rumos que a história tomam são muito previsíveis, o que é ajudado, em grande parte, pela caracterização falha do lado psicológico e moral tanto por parte de Amaro quanto de Amelita. A forma como o aborto é tratado ao final do filme poderia ter sido melhor abordado também. Era como se, apesar de todo condicionamento religioso mostrado no início do filme por ambos os personagens, ao final do mesmo eles tivessem perdido todo esse condicionamento. Não há uma passagem que mostre os personagens se conflitando sobre o assunto, se indagando, enfim, surge como uma coisa natural e mal apresentada. O que, importante dizer, não ocorre na obra de Eça de Queiroz.

A única passagem em que comenta-se uma alternativa ao aborto é quando Amelita sugere a Amaro que ela mesma volte com um namoradinho que tinha antes de ter um caso com Amaro; ficasse com ele e dissesse que o filho era dele. Espanta a naturalidade como essa idéia é proposta, mais uma vez, entrando em contrapartida com o caráter dos mesmos no início da película. Parece que toda a caracterização inicial dos personagens é simplesmente esquecida ou deixada de lado do meio da trama para frente. E como isso não é um filme de David Lynch (vide Cidade dos Sonhos), não está certo.

Comentários (1)

Luã Olsen | terça-feira, 22 de Abril de 2014 - 17:32

\"É um filme que poderia de diversas maneiras ser melhor explorado, contudo, do jeito que foi apresentado, [não] ficou muito bom\". Agora sim, Tony, com a correção faz sentido. Porque escrever uma crítica dessas e no fim dizer que \"também ficou muito bom\" é dose hein. O filme peca, e muito.

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