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Críticas

Cineplayers

Novos tempos, velho Clint.

6,0

Gus (Clint Eastwood) é um olheiro de beisebol que está com sua ferramenta de trabalho mais essencial, a visão, comprometida. Está ficando cego,  velho  e também ultrapassado pelas novas tecnologias, capazes de computar dados e devolver habilmente as estatísticas de cada novo jogo. Criada em meio a jogos e arquibancadas, sua filha, a advogada Mickey (Amy Adams), está para se tornar sócia da firma e aceita a proposta de um velho amigo de seu pai (vivido por John Goodman) para acompanhar Gus na seleção de uma nova estrela do beisebol na Carolina do Norte, onde encontrarão o ex-jogador Johnny (Justin Timberlake), que agora tenta seguir a carreira de locutor. Em meio aos novos tempos e às novas gerações, Gus mantém sua fama de durão, e luta para mostrar que apesar dos pesares, ainda não está em tempos de desistir.

E é com essa premissa batida, tanto para um trabalho protagonizado por Clint Eastwood quanto para um filme de esportes americano, que Curvas da Vida (Trouble with the Curve, 2012) vai de encontro ao que anda se mostrando ser o foco do astro em seus últimos trabalhos como ator. Ele voltou a atuar, depois ter anunciado sua aposentadoria anos atrás, para dar uma força ao trabalho de estreia de Robert Lorenz, seu recorrente produtor e assistente de direção. Lorenz, por sua vez, parece usar essa oportunidade de trabalhar de outra forma com seu mentor para homenageá-lo e fazer um filme que lembra do início ao fim aquilo que estamos familiarizados a assistir nos trabalhos de Eastwood. Portanto, é um trabalho sem muitas novidades e tampouco grandes emoções, mas que serve como uma espécie de paralelo com a situação do próprio Clint a essa altura do campeonato.

Tal qual o antissocial treinador de boxe Frankie Dunn em Menina de Ouro (Million Dollar Baby, 2004) ou o escuso veterano de guerra Walt Kowalski de Gran Torino (idem, 2008), Gus é um cara velho, amargo, traumatizado por fantasmas de seu passado, com sérios problemas de relacionamento com seus familiares, mas ao mesmo tempo dono de um autocontrole e de uma solidez inabaláveis. Um homem à moda antiga, por assim dizer, que atravessa o passar dos anos acumulando experiência em sua carcaça de rigidez pouco convidativa, mas que em momento algum parece estremecer diante das inevitáveis mudanças pelas quais o mundo vai se adaptando. Seu jeito de ser é esse, e ele já está em um estágio da vida em que não faz sentido mudar, mas sim continuar a lidar com as situações que surgem ao seu bom e velho modo.

Algo muito parecido pode ser encontrado no próprio Clint Eastwood, um cineasta que já acumula nas costas quase sessenta anos de estrada, mas que mantém uma regularidade e um jeito próprio de desenvolver sua carreira deveras impressionante. O cinema das décadas de 1950, ou 1970, sofreu inúmeras mudanças desde então, mas parece que temos hoje o mesmo Clint que tínhamos em O Estranho Sem Nome (High Plains Drifter, 1973), em essência. Nem mesmo um curioso reality show americano que visa mostrar o cotidiano da família Eastwood parece conseguir desvendar seus segredos para manter-se tão regular como cineasta. De modo que podemos notar claramente que ele empresta muito de seu próprio ser para seus personagens atormentados, assim como os emprestou como base para seu amigo Robert Lorenz iniciar uma nova etapa de sua carreira.

E o mais importante de tudo, ele continua um cineasta acima da média, mesmo sem aderir a muitas das novidades do cinema de lá para cá. Tal como Gus, que se recusa a desistir diante das novas tecnologias e dos talentos mais novos. A nova promessa do beisebol que atraiu tantos olheiros como Gus ao jogo na Carolina do Norte parece ter problemas no rebatimento de bolas que vêm com efeito de curva, assim como Gus e Mickey notam logo de cara. Claro que em um entendimento maior isso significa, dentro do contexto do filme, a incapacidade de olheiros ou computadores de preverem os imprevistos ou as surpresas da vida. Nesse ponto, não há tecnologia recente ou experiência de anos que seja capaz de lidar com o inesperado, e por isso é tão necessário que tanto Gus como Clint mantenham-se em forma, prontos para lidar com o que der e vier tanto dentro de suas respectivas carreiras como no plano pessoal.

Nessa de querer trabalhar com Eastwood em seu elenco, Robert Lorenz acabou limitando seu filme ao mais do mesmo. Sem o talento de seu mentor na direção, oferece um filme de esportes recheados daquelas metáforas americanas sobre superação e valores familiares, para o bem e para o mal. Mas quando analisado de longe, Curvas da Vida acaba inconscientemente oferecendo um retrato atual de um dos maiores nomes do cinema americano, um homem velho, de rigidez e integridade inabaláveis, que em meio às tantas novidades dos tempos atuais, continua firme e forte, mostrando que seu cinema, assim como seu caráter, não parecem temer diante dos imprevistos da vida. Pelo contrário, esses problemas com as “bolas curvadas” só enriquecem e acrescentam mais à sua vasta experiência.

Comentários (5)

Daniel Oliveira | segunda-feira, 26 de Novembro de 2012 - 23:36

Ótima crítica Heitor!
Também critiquei o filme no meu blog, gostei bastante, mesmo ciente dos clichês. hehe

http://cinefilosantista.blogspot.com.br/2012/11/critica-curvas-da-vida.html

Rodrigo Barbosa | quarta-feira, 28 de Novembro de 2012 - 10:56

É ruim. Mesmo gostando da crítica Heitor, tu contou a única "surpresa" do filme, que é o lance da bola curva que eles, na verdade, não descobrem tão de cara assim né?? kkkkk. De resto, além de um Clint bem Clint (ou seja, pronto para manipular mais do que habilmente as emoções de seus espectadores) o filme é pra lá de enlatado. Nada de novo mesmo.

Adriano Augusto dos Santos | quinta-feira, 21 de Março de 2013 - 09:54

Excelente texto Heitor.
O personagem é muito ligado ao próprio Clint,aliás como sempre.

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