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Críticas

Cineplayers

Mais um terror japonês, não tão bom quanto Ringu, mas que consegue reserver bons momentos.

8,0

Após o estrondoso sucesso da trilogia Ringu no Japão, criou-se uma nova modalidade no campo do horror, e um novo gênero veio à tona: o terror psicológico. Motivado por Hideo Nakata, o movimento (que inevitavelmente não escapou do capitalismo, transformando-se em alvo do comércio e gerando produtos variados) alastrou-se mundo afora, incentivando diretores ocidentais. No mundo oriental, paralelamente, o gênero vai muito bem - ainda mais com a intensa circulação de Dark Water, também de Hideo Nakata, pelas locadoras japonesas.

Filmado em 2002, pode-se dizer que o filme é até moderno e trata de assuntos do mundo contemporâneo. Yoshimi Matsubara, revisora de romances, é uma mulher como outra qualquer - a não ser pelo complicado processo de divórcio por que tem passado. Seu marido é frio e agressivo, e Yoshimi, naturalmente, não quer que o homem fique com a guarda de sua filha. Porém, para convencer os advogados de que é uma mãe direita e competente, Matsubara deve arranjar uma residência o mais cedo possível, o que a leva a um bloco de apartamentos velho e decadente. Então, tudo parece seguir tranqüilamente, até que uma misteriosa goteira aparece no teto.

Hideo Nakata, sem dúvidas, sabe escolher muito bem o elenco com que vai trabalhar. Desta vez, o diretor preferiu a atriz Hitomi Kuroki para o papel da mãe preocupada e psicologicamente perturbada, enquanto a interpretação da filha protegida e disputada ficou por conta de Rio Kanno. Diferentemente de Ringu, a história enfoca e acaba concentrada principalmente nessas duas personagens, apenas. As duas atrizes fizeram um bom trabalho: à medida que o filme avança, mãe e filha vão criando laços cada vez mais fortes, e é fantástico observar como é bonito esse relacionamento.

Dark Water guarda inúmeras semelhanças com Ringu. Uma delas é o próprio modo como o terror é criado. Em todo o filme não é derramada uma gota de sangue sequer, e a violência exagerada é substituída pela tensão originária de inúmeros fatores. Os infalíveis elementos que tanto causaram medo em outros filmes retornam - e, aí, alguns irão dizer que a película é pouco inovadora. Considerável verdade ou mera implicância, o fato é que Dark Water tem sim seus momentos assustadores. O mais interessante é que o filme não é mais uma daquelas histórias de fantasmas, em que se segue uma seqüência interminável de sustos sem sentido. Dark Water, ao contrário de muitos do gênero, mexe de maneira extremamente sutil com questões psicológicas, em que entra, por exemplo, uma teoria psicanalítica de Freud, justificando o desespero da mãe Yoshimi em proteger a filha tão bem quista.

O roteirista (autor do livro que inspirou o filme) é mais um daqueles que deixa praticamente tudo em aberto. Nem mesmo a cena final é capaz de explicar os fatos ocorridos - o único resquício de racionalidade parece estar na última frase dita pela personagem Ikuko. À primeira vista incongruente, é só depois, de muito refletir, que a frase parece fazer sentido. Então, a partir dela, as impressões do espectador acerca de Yoshimi mudarão completamente. O filme também apresenta simbologias aparentemente incompreensíveis. Na seqüência final, por exemplo, é duvidável a presença de uma personagem, uma vez que seu paradeiro é desconhecido e as alucinações já são completamente aceitáveis. Mitsuko Kawai, o núcleo assustador do filme, também parece ter propósitos ininteligíveis - é apenas com o rolar dos créditos que alguma conclusão pode ser tomada. Mesmo assim, o roteiro parece ter sido feito exclusivamente para fazer os espectadores pensarem.

A produção técnica de Hideo Nakata deixou-se levar pelas inconcussas influências de Ringu. A fotografia de Dark Water é sombria, misteriosa e o cenário do desespero é completado pelo edifício decadente e escuro em que residem Yoshimi e Ikuko. Os efeitos sonoros - e a ausência deles - contribuem imensamente para o equilíbrio da tensão. A trilha sonora é variada, apresentando temas para as situações assustadoras e para os momentos melancólicos.

É assim, nesse ambiente triste e assustador, que Hideo Nakata explora a relação mãe-filha de modo dramático. São as atitudes da guardiã Yoshimi e as reações correspondentes da filha Ikuko que dão a impressão de nunca estarmos verdadeiramente seguros. E, por mais que criemos laços de afeição, sempre estaremos sós.

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