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Críticas

Cineplayers

Uma obra-prima que brinca como ninguém com o primeiro filme, elevando sua complexidade a um patamar jamais visto.

9,0

Não muito mais tarde depois de De Volta Para o Futuro, exatamente quatro anos depois, era lançado nos cinemas De Volta Para o Futuro 2, continuação que parte do exato ponto onde termina o primeiro e traz uma quantidade relativamente grande de novidades à série e não apenas se limita a repetir os pontos de sucesso de seu anterior, mesmo que, por diversos momentos do filme, temos a falsa impressão de que isto pode estar acontecendo.

Desta vez temos a explicação do porquê Marty deve ir para o futuro, já que ele tem coisas para resolver por lá, e como essas alterações influem no presente do rapaz, criando uma realidade alternativa que só pode ser consertada em um local: no passado. Quando escrevi sobre o primeiro, destaquei a inteligência do roteiro. Mas, com esta segunda obra, a complexidade ganha um expoente maior e faz tudo visto no longa anterior parecer brincadeira de criança perto da quantidade de coisas que acontecem por aqui.

É necessário, antes de elogiar o roteiro, fazer uma pequena dura crítica: desta vez, por ser mais complexo e trabalhado, há pequenas forçadas de barra. Marty deve ir para o futuro salvar a pele de seu filho. Só que isso é apenas um meio para o roteiro começar a história e criar um conflito, uma vez que, se o problema ainda não aconteceu para Marty em 1985 ele teria tempo suficiente para alterar qualquer ação que ainda não aconteceu – ao contrário do princípio do primeiro longa, onde ele alterou algo no passado e acabou melhorando seu presente.

A partir do momento que aceitamos essa forçada feia, a história se torna fantástica. O futuro cativante, inteligente e sonhador de Zemeckis só se torna verossímil graças ao incrível trabalho da direção de arte, uma vez que se preocupou totalmente com detalhes e pequenas referências que engrandecem a obra (perceba que o filme que está passando no cinema em 2015 é Tubarão 19, dirigido pelo filho real de Spielberg). O número de tais detalhes é tão grande que somente com várias e várias revisões na obra será possível captar a grande maioria deles. Várias sacadinhas deixam o filme divertido e interessante, como a curiosidade das pessoas com relação ao próprio futuro e suas reações perante as respostas.

Nesse futuro, Michael J. Fox tenta evitar que seu filho seja preso, mas isso dá início a uma série de acontecimentos que irão desenrolar durante todo o longa e cria um incrível número de reviravoltas interessantes e espetaculares, além de inserir diversas peculiaridades que somente os mais atentos conseguirão aproveitar durante o longa; afinal, essas peculiaridades, como características marcantes da série, sempre serão revistas em formas de detalhes pela história. Veja, por exemplo, o fato de Marty não tocar mais guitarra. A seqüência abre ainda uma série de discussões sobre futuro, segunda chance, pensar em todas as ações na vida, etc, além de possuir divertidas auto-referências ao próprio filme, como a perseguição de skates, só que futuristas (a frase de Biff, nesse momento, é genial).

Quando Marty retorna a 1985 e se depara com um presente diferente daquele que havia deixado para trás, o filme começa a exigir mais de nossa atenção. Se no primeiro longa ele era inteligente, mas ao mesmo tempo linear e simples de entender, este segundo episódio exige bem mais de nossa atenção e da capacidade de raciocínio. Mesmo entendendo como essa realidade paralela foi criada, devido à eficiente explicação do Doutor Emmett Brown, fica difícil curtir um momento tão obscuro como aquele. É que o mundo se tornou isso mesmo: chato, triste, mórbido. As passagens não são tão interessantes assim e isso pode desprender os menos atentos a alguns fatos importantes para o desenvolvimento da trama.

Só que essa sensação, a princípio ruim, nos reflete um competente recurso do roteiro em exigir que nós entendamos o que Marty está passando para então aceitarmos que ele deve consertar aquilo tudo. É, no melhor sentido da expressão, um mal necessário ao filme, uma motivação para o personagem. Ainda assim, a equipe tomou todos os cuidados possíveis na hora de criar esta realidade: os detalhes estão lá, presentes, completando o rico mundo que nos é apresentado. A sensação de agonia só desaparece quando descobrimos para onde Marty deve ir para consertar aquilo tudo; é exatamente o ponto alto do filme e aquele que torna esta obra inesquecível para a história do cinema.

A certeza de que tudo o que aconteceu até agora foi uma preparação para este terceiro ato vem quando os créditos finais começam a percorrer a tela. O fechamento deste longa não poderia ser mais perfeito, criativo, inteligente, fascinante. Quando Marty retorna a 1955 para consertar tudo, a complexidade é elevada ao extremo e temos um brilhante trabalho do roteiro para deixar tudo claro, encaixadinho e do modo mais divertido possível – e são características que fazem deste o melhor dos três filmes da série.

Lembrando que Marty estava em 1955 tentando fazer com que seu pai conquistasse sua mãe, o roteiro brinca a todo instante com essa situação, uma vez que ele deve retornar ao local e evitar que aconteça o que ocasionou todo aquele presente alternativo, mas sem nunca se encontrar consigo mesmo! Complicado? Sim, mas fácil de entender assistindo ao filme. É que ele estava lá, no palco, tocando ontem, mas ao retornar com a máquina do tempo, do futuro, para o dia em que estava lá, acabam tendo dois Martys exatamente no mesmo lugar. O encontro entre eles poderia anular os eventos do primeiro filme, além de causar um choque no Marty do passado (afinal, como ele iria entender que teria outro ele ali, mesmo vindo do futuro?).

Toda essa complexidade pode ser resumida em um diálogo entre ele e o Doutor, certo momento do filme: “Parece que estive aqui ontem”, indaga Marty, e ouve como resposta do Doutor um simples “mas você esteve aqui ontem”. Aquele Marty do palco que o próprio Marty da platéia vê é ele, mas ele ontem. Para ficar mais fácil de entender a situação, imagine se você entra em uma máquina do tempo e volta para o dia de ontem. Você, de hoje, estará com o você, de ontem, tendo dois de você. Mas, se você fizesse algo com o seu eu de ontem, isso alteraria o seu hoje e poderia afetar diretamente a você, colocando em risco sua própria existência. É por isso que Marty deve evitar o contato com ele mesmo (isso alteraria toda a conclusão do primeiro longa).

Para tornar possível toda essa re-visitação ao passado, a equipe teve de suar a camisa. Como são usados diversos planos diferentes da festa do primeiro filme, tudo teve de ser milimetricamente recriado para tornar crível que Marty está novamente ali. E o trabalho é fantástico. A todo momento temos uma revisão sobre o que aconteceu na festa, mas tudo visto sob um outro ponto de vista – o do dia seguinte, tudo refilmado. Vemos novamente Marty tocando guitarra no palco, ele conversando com sua mãe e seu pai no final do primeiro filme, o amasso que ele tem que dar na própria mãe dentro do carro e etc, enquanto o outro Marty age no segundo filme. Resumindo tudo: Marty de hoje visita novamente o passado e deve evitar que suas ações de hoje alterem as ações do Marty de ontem, afinal, sua intenção, ao voltar ali, é deixar tudo como estava antes.

Até mesmo alguns fatos que antecedem e completam os acontecimentos do primeiro filme são vistos aqui, como sua mãe comprando o vestido que estaria usando na festa, Biff recebendo o carro após o conserto do estrago feito pelo esterco, o músico indo ligar para Chuck Berry para poder falar sobre a música que Marty estava tocando (no primeiro filme ele já aparece falando com ele) e o modo como o Marty do primeiro filme estava ameaçado enquanto tocava - os capangas de Biff encontraram com o Marty do segundo filme, e não com o do primeiro (como achavam que tinham encontrado), então Marty de hoje deveria evitar que eles agredissem ao Marty de ontem, para evitar mais uma alteração nos acontecimentos.

A perfeição técnica deste episódio é impressionante, uma vez que a já citada recriação do passado teve de ser feita de modo brilhante (há constante interação entre os atores com eles mesmos). O futuro é convincente e em nenhum momento, mesmo passados tantos anos de seu lançamento, soa falso ou desinteressante. Os efeitos especiais evoluíram de maneira absurda e em nenhum momento querem aparecer: apenas tornam possível tudo o que o diretor queria para seu filme. As músicas mais uma vez impressionam e são usadas de maneira inteligente pelo roteiro (o bar dos anos 80, por exemplo, é uma excelente maneira de adaptar o futuro à história). É tudo pensado, nada é gratuito (perceba também as inúmeras deixas para o terceiro episódio da série, que estava sendo filmado simultaneamente com esse).

Quanto aos personagens, todos estão de volta aos seus papéis. Michael J. Fox faz um trabalho ainda mais brilhante no papel de Marty (ainda que pareça um pouquinho mais velho para um filme que se passa apenas no dia seguinte) e Christopher Lloyd continua desempenhando um trabalho magnífico como o Doutor Emmitt Brown. Diversos atores fazem mais de um papel durante o filme, com destaques para Michael J. Fox, que em determinado momento interpreta três personagens de sua família, e para a pequena participação de Billy Zane (o eterno carrasco de Titanic), que dá continuidade ao seu papel de estréia no cinema.

É muito fácil falar sobre um filme tão complexo, mas ser direto é a dificuldade da ocasião. Explicar, em poucas palavras, o tanto que este filme consegue criar é simplesmente impossível, então se você ficou curioso e ainda é um dos poucos que não assistiu a essa obra-prima, faça o quanto antes. Garanto que será uma experiência cativante e inesquecível, além de um prato cheio para todos aqueles que gostam de ficar comentando os filmes que assistiram. De Volta Para o Futuro é uma obra atemporal, assim como a idéia presente em toda a série.

Obs: Apenas uma curiosidade muito bacana: no filme, é possível ler que o almanaque diz que quem iria vencer o campeonato de 1997 de baseball seria um time da Flórida. Porém, quando o filme foi escrito, ainda não existia nenhum time de lá, mas não é que quem venceu o campeonato no ano que o filme disse foi mesmo um time da Flórida? O Florida Marlins nem existia na época em que o filme foi feito! Isso é que é inspiração!

Comentários (2)

Pedro Henrique | domingo, 08 de Janeiro de 2012 - 02:57

Além do filme ser show, o tenis nike e o boné bem no estilo colorido de hoje em dia...kkkk

Vinícius Oliveira | quarta-feira, 19 de Junho de 2013 - 02:53

"O doutor Brown de 1955 vê o DeLorean desaparecer com Marty rumo a 1985, até aí, parece o final do primeiro longa, porém, momentos depois, o cientista é abordado pelo mesmo Marty que mais uma vez, está preso no passado". Só essa cena, ja mostra a profundidade de DE VOLTA PARA O FUTURO 2, com certeza, um dos filmes mais complexos e brilhantes já produzidos. Uma história que parece girar sempre no mesmo ponto, mas que acaba se reinventando com maestria em todas as vezes. É divertido demais olharmos a HILL VALLEY de 2015 e compararmos com a de 1955, pois tudo ainda está alí de certo modo, sendo que algumas situãções, são identicas ao do primeiro filme, nos causando muita nostalgia. O que mais me deixa perplexo, é como um filme tão complicado, consegue não ter lacunas no roteiro. Um filme que merece uma nota 9.0, sendo o mais legal e desafiador de toda a trilogia.

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