Saltar para o conteúdo

Críticas

Cineplayers

A quimera de "NWR".

3,0
Introduz-se o filme e logo abaixo de seus letreiros informativos, antes mesmo que apareça seu próprio título, como que colocadas ali para cristalizar uma autoria longeva, estão as iniciais 'NWR', abreviatura do nome do diretor – tambores: ninguém menos que – Nicolas Winding Ref, mas que na realidade servem mais aos propósitos da assinatura sob a qual aquela obra fora concebida, ou mesmo a impressão na imagem de uma marca, um nome que carrega todo um sistema estilístico, temático e de produção. Por trás da imagem que a assinatura toma, independente disso e em ambos os casos, fica a aparente confirmação de que o nome vem antes da obra, e não só num sentido literal, de que a celeuma antecipa a coisa em si; enfim, de que, no pior dos sentidos, Nicolas, em nome e em carga de autoria, é assumidamente primevo, antecipatório do filme que ele mesmo realizou. Curiosamente, seu Demônio de Neon (The Neon Demon, 2016) se espacializa num universo que sobrevive de imagens.

A proposta de abordagem para seu filme é uma de enxugamento. Se pudéssemos raspar todo o corpo vivo que é o filme, todo procedimento estilístico ou narrativo, e reduzi-lo a um âmago de plot, de trama, a operação teria como resultado um corpo tão minúsculo e inofensivo a ponto de não sustentar meia hora de história, e ainda assim esse corpúsculo seria uma aberrante tentativa de elevar Jesse, sua protagonista, a um Olimpo de beleza e frescor para qual todos os outros personagens são acessórios cuja função se resumiria a dois polos opostos e simplórios: ou suspirar ou borbulhar de inveja. Como se a indústria da moda realmente ainda sobrevivesse de modelos carniceiras e superficiais para as quais o maior ato de vontade consiste numa dieta despirocada. E ainda que o fizesse – não se nega que parte dela não assuma os moldes do clichê, o que de forma alguma caracteriza uma totalidade, mas apenas um índice -, diante do território amostral explorável que é a indústria das aparências, o único caldo que Refn se põe a extrair é um já desgastado pelo próprio mundo de que ele fala? 

Na objetificação de uma menina como ponto de partida, ele aponta para uma transformação que pressupõe a ela que assuma a imagem mesma que dela fazem, quando o que acontece é a retirada, sabe-se lá de que passado sustentável, de uma maldade que devia estar o tempo inteiro intrínseca e óbvia. ''Minha mãe me chamava de perigosa'', dirá em algum momento do filme, aliás  no tempo atrasado do grande momento-chave, como que para coroar uma passagem desde sempre imperceptível. Mas o que possivelmente assinalaria isso que, para a apreciação do filme esquizofrênico de Ref, não é tanto uma transformação quanto uma recobrança ou ativação do estado natural desse reino encantado em que Jesse sempre reconheceu a estonteante beleza, é esse torpor formalista que não só povoa do o filme, como tenta sê-lo por inteiro e mais uma vez lança mão da espiral colorida e vazia que é o cinema de Refn.

A presença das suspensões formais aqui parece ter atingido um grau máximo de pureza que asfixia qualquer outra intenção diante da imagem e restringe a relação observador-mundo à exclusividade do ingresso para a viagem: ou se dá a mão a Refn ou não há fruição. Mas a verdade detrás da sua redoma de aparências saturadas é que o diretor ultrapassou até mesmo a publicidade, e de forma a criar uma quimera sinestésica cega – os floreios não apontam para lugar nenhum, sequer chegam a florear -, oca – não há produção de sentido ou elevação de valor – e que gira em torno do próprio eixo – tudo se repete para cobrir os rombos de progressão para uma história que só tem solturas e não diz, não faz, não provoca nada. 

E para auxiliar o devaneio da cor e do banho de artificialismos luminosos, há toda a estruturação de sustentáculos e alimentos: é crucial que todos que circundam Jesse queiram-na tanto a ponto de desejar sua carne e beber do seu sangue como elixir absoluto da beleza, fotografem-na para cobrir seu corpo de apetrechos que o façam reluzir. Tudo acontece em função de, sob o pretexto espectral de que a forma se insira e dê significado à cobiça pela imagem da garota, criando outras imagens tão superficiais que esvanecem imediatamente no fino ar da memória da qual o filme sobrevive. De parte significativa da obra de 'NWF' muito provavelmente dirão que seu único erro foi nunca ter sido o Suspiria (1977) de Dario Argento, obra esta, sim, que nunca precisou dizer nada e ser um império de sensações ao mesmo tempo. 

Comentários (1)

Douglas Rodrigues de Oliveira | sexta-feira, 09 de Setembro de 2016 - 16:16

Primeiro, Filipe sinta-se beijado por essa crítica, segundo que análise do caralho.

Terceiro que o termo "império de sensações" é nome de obra-prima do futuro, com certeza rs

Faça login para comentar.