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Críticas

Cineplayers

O lugar da terceira idade na sociedade.

8,0

Um dos mais belos filmes a integrar a programação da Mostra de São Paulo, o uruguaio A Demora (La Demora, 2012) discute a questão do idoso na sociedade. Rodrigo Plá, em direção sóbria, desenvolve a história sem pressa e sem perspectiva, como se refletisse as angústias da terceira idade.

Apoiado pelas ótimas atuações dos principais, a questão do despreparo social para lidar com os idosos é abordada sob a perspectiva de Maria, humilde mãe solteira de três filhos, que trabalha muito, em casa e fora, como costureira. Na residência vive também seu pai, Augustín, um homem cuja idade e os problemas decorrentes disso começam a pesar. Ele tem consciência de sua própria condição de dependência e, por isso, é tão avesso a aceitar o passado como página virada.

Ao se aceitar velho é como se aceitasse a finitude. Por isso, procura retornar para a casa onde passou dias com a mulher, mesmo que seja para se vingar, de forma quase infantil, de uma familiar que tomou os bens dele e da filha. Os comportamentos “rebeldes” de jogar pedra em um vidro e fugir ou sair de casa sem autorização reforçam o estado senil, mas também a intenção de sentir-se bem e inteiro, como um adolescente.

Só que Maria, apesar de todo o amor pelo pai, não consegue mais dar a atenção crescente que Augustín necessita, tampouco tem condição financeira para isso. Como a rotina de vida dela é desgastante, o pai surge cada vez mais como um peso, o qual ela não consegue administrar. A partir desta constatação, A Demora é ótimo na abordagem.

Ao mesmo tempo, consegue discutir a questão do Estado no apoio ao idoso, seja na estrutura precária de integração social ou na condição das casas de acolhimento, mas, acima disso, traz a ótica da família, os dois lados, sem nunca vilanizar ninguém. O retrato é verdadeiro e humano, sem enfeites narrativos para comover ou sensibilizar. Tudo isso acontece de forma encantadoramente natural.  

O choque de Augustín ao perceber, e insistir em ignorar, o que se passa com ele após a filha inscrevê-lo para uma vaga em um albergue para pessoas de baixa renda, perfil que a família, apesar de humilde, não se encaixa por completo, é divido com o espectador. Todos são pegos de surpresa, justamente pelo hábil desenvolvimento da história. Maria nunca parece monstruosa. Pelo contrário, o sentimento de compaixão é despertado pelos dois ao mesmo tempo. É possível entender ambos. Ela não é ruim e nem desgosta do pai. Simplesmente não tem condições física, psicológica e financeira de cuidar dele.

Antes de decidir deixá-lo sob a tutela do Estado, tenta com que a irmã o abrigue. Não consegue. Vê-se sem saída. O desespero interior não é externalizado, apenas compreendido por meio do olhar duro e desgastado de Maria, fruto do grande trabalho de Roxana Blanco. O mesmo vale para Carlos Vallarino.

A Demora caminha para um desfecho que permite ampliar o leque de discussão não só para o papel do idoso na sociedade e o amparo dado pelo Estado, mas também para as próprias falhas geradas pela desigualdade social, essa sim, desumana e irresponsável. Maria é vítima tanto quanto o pai. O desfecho aqui é irrepreensível. 

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