Saltar para o conteúdo

Dente de Leite

(Babyteeth, 2019)
6,7
Média
9 votos
?
Sua nota

Críticas

Cineplayers

Um pouco além das estrelas

5,0

E se John Green, para escrever A Culpa é das Estrelas, tivesse experimentado um ácido de leve, ou tragado uma boa dose de "cigarrinho da paz"? Bom... talvez o resultado fosse parecido com a primeira parte desse longa que acaba de passar pelo Festival de Veneza. Há uma tentativa de colocar em perspectiva a enésima história de uma adolescente cancerígena, a revolta com sua condição, a paixão que chega para estabilizar seus sentidos e a relação com sua família. Por ser uma produção australiana fora da curva (ou que se pretenderia como tal), é adicionado um molho de picardia na mistura, que adiciona uma certa disfuncionalidade ao todo. Tanto no núcleo familiar quanto no ambiente que a cerca, principalmente no mais improvável heroi romântico que ela escala para si.

A trajetória escolhida pela diretora Shannon Murphy para situar sua história de amor é usar uma roupagem moderna, descolada narrativamente, sem dúvida sedutora e que destoe dos inúmeros produtos lançados anualmente no mercado com exatamente os mesmos elementos já citados. Para espectadores mais escolados, é fácil perceber os botões que a diretora fornece para que possamos apertar e encontrar os ganchos diferenciados na mistura. O que incomoda, ao fim e ao cabo, é perceber que esses ganchos eram pontuais, porque, estabelecidos os códigos, o filme vai gradualmente assentando até restar somente mais um filme do gênero. 

As ditas ousadias narrativas, que incluem um casal de pais que parecem decalcados do modelo que Kevin Spacey e Annette Bening apresentaram em Beleza Americana, aos poucos vão se esvaindo até que sejam quase "coisa do passado". Apesar de manter os intertítulos que abrem cada bloco de cenas, como a apresentar os capítulos de um livro sempre com mensagens engraçadinhas, as próprias personalidades dos personagens vão se transmutando até alcançarem uma "normalidade", um padrão, e todos alcançarem um lugar desfuncional básico do cinema, com direito a uniões insuspeitas em seu terço final. O visual moderninho escolhido para o casal jovem, Eliza Scanlen e Toby Wallace, também tenta atrair tanto o público-alvo quanto "adultos" interessados em "conteúdo". 

A parte técnica tem um diferencial no que concerne aos universos da protagonista. Enquanto seus pais são inseridos em ambientes de cores fechadas, em tons sóbrios como marrom, a jovem tem um colorido que vai se abrindo à medida que ela vai descobrindo o amor. Ok, nada de revolucionário, mas há uma proposta a ser cumprida ali. Direção de arte e fotografia trabalham em prol dessa ampliação de paleta, e o visual é bacana, conseguimos perceber os elementos novos inseridos na tela conforme a trama avança. 

Apesar dos esforços de todo o coeso elenco (como Ben Mendelsohn é um ator subestimado, não é?), o filme é inteiro de Scanlen e Wallace, ele vencedor do prêmio de revelação em Veneza. São seu carisma e imensos recursos dramáticos os responsáveis pela doçura e o charme de Dente de Leite, entregando performances críveis e pouco deslumbradas, quase introspectivas. Nesse sentido, é compreensível o prêmio para ele, que tinha em mãos o estereótipo de bad boy, o que ele responde com uma interpretação avessa ao esperado, concisa e dúbia, alguém sobre o qual não temos nenhum controle. Sua química com Scanlen é o que transforma o filme em bom programa, e não a tentativa inicial pretensiosa.

Crítica da cobertura da 43ª Mostra de São Paulo

Comentários (0)

Faça login para comentar.